O MENINO E O VENTO -
O homem caminhava pela beira do
mar.
O dia estava bonito, o céu azul
com nuvens brancas, exatamente como aquelas que na infância gostava de brincar.
O vento macio o abraçou.
Como acontecia nesses momentos de
recordações, perdia a noção do tempo, ficava completamente dominado pela
nostalgia e tentava armar o mosaico em sua memória, com os cacos que conseguia
lembrar.
Uma imagem sempre presente era a de
seu pai, em Ipanema, aquele balneário à beira do rio Guaíba, onde tinham
passado a melhor fase de suas vidas.
Lá, balançando numa rede embaixo
dos cinamomos ele tinha vivido seu primeiro contato com a Espanha.
Seu pai contava sobre as batalhas
aéreas na guerra civil espanhola, e o menino ouvia as histórias olhando para o
céu, pelo meio das folhas verdes das árvores, e aquele passava a ser seu
cenário de lutas entre os aviões.
De trás das nuvens ele via sair
os pequenos aeroplanos descritos por seu pai, que relatava tudo com muita
riqueza de detalhes.
Esses momentos de fantasia e
encantamento atiçavam a sua imaginação, mas a segurança da casa, com a
proximidade daquele “comandante” o deixava tranquilo o suficiente para
adormecer, sonhando com os céus de Espanha.
Lembrava também das velejadas,
dos barcos a remo, daquela visão mágica dos amanheceres, quando iam
silenciosamente lançar os espinhéis.
Ainda com muito sono, mas não
querendo perder aqueles momentos, ele e seu irmão se dispunham a deixar a cama
quentinha e a tomar o caneco de café, que seu pai lhes servia com um pedaço de
pão adormecido.
Quando sentiam o movimento de
algum peixe preso aos anzóis, a vibração tomava conta deles, pois começariam o
dia mostrando, orgulhosos, o resultado de terem madrugado.
As velas eram levantadas mais
tarde, lá pelas nove horas, quando o oeste começava a soprar, e as águas calmas
se encrespavam um pouco com as rajadas de vento.
Fazer “avenidas” era uma delícia,
ao longo da praia, pois a posição do vento matinal permitia ir e voltar com o
veleiro paralelo à faixa de areia.
Mesmo tendo que se afastar do rio,
o momento do almoço era bem-vindo, pois a fome já se anunciava forte.
Banho e troca de roupa bem rápidos,
e os pratos eram esvaziados com a perspectiva do descanso nas redes, e a volta
para a praia, no final da tarde.
As redes eram colocadas presas às
árvores, e ficavam na sua sombra generosa e fresca.
Ao se embalar, o menino ficava
ouvindo as músicas que sua mãe tocava no piano, quando ela aproveitava aquele
momento de sossego na casa para praticar um pouco. E o menino adormecia na
rede, embaixo das árvores, com o vento agradável, com o piano ao fundo...
Uma buzinada forte o despertou de
suas memórias.
O homem olhou ao redor, viu
casas, ruas, o mar que não era o rio de suas lembranças, e foi voltando para a
sua realidade.
Aquele homem de 65 anos, casado,
pai de vários filhos, ainda sem netos, estava numa outra praia, num outro
balneário, sem seus pais, sem seus irmãos, sem redes, sem barcos, sem sombras e
sem a música de piano.
Sua vida se dera em outra cidade,
em outra realidade, com outras pessoas.
E ele se deu conta como ainda
carregava aquele menino dentro de si, em sua alma emocionada com as doces
recordações, e com todas as vivas emoções, como se na praia da sua infância
estivesse.
E nesse momento tomou a decisão.
Iria visitar aquele rio, aquela praia,
e tentar resgatar os momentos que só apareciam em seus sonhos e devaneios.
E pensou que voltaria na
primavera, ao som daquela música, que sempre lhe despertava a saudade.
Retornaria para aquele vento,
pois jamais havia encontrado outro oeste como aquele, das suaves rajadas, que
embalara suas velejadas, e seus sonhos.
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