quarta-feira, 10 de outubro de 2012

EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ACULTURA SÓCIO-POLÍTICA NO BRASIL



-A cidadania acontece nas pessoas e nas estruturas por elas construídas. Estado e Governo são virtualidades erigidas pelos cidadãos, que necessitam de ordenação da conduta humana e, por isso, criaram esses conceitos para a gestão de direitos e deveres. Quem é esse ser humano da atualidade mundial? Como se comporta, se expressa, escolhe, repudia, como trata de seu desejo, da busca de seu prazer e da qualidade de vida? Como participa da vida política de seu país, como ajuda na transformação social necessária? A realidade brasileira acompanha os mesmos movimentos? Os mesmos processos? As mesmas posturas e comportamentos?

A humanidade viveu o século XX dominada por duas linhas ideológicas, que tentaram de forma simplificadora e minimalista, explicar a necessidade das pessoas, suas subjetividades, sonhos  e desejos. Capitalismo e socialismo, visões e doutrinas frutos da revolução industrial do século XIX, e do processo de urbanização, em decorrência da industrialização, da organização do capital e do trabalho. Essas duas concepções foram determinantes na implantação de formas de Estado, sob esses conceitos, e de organização das sociedades nos países. A polarização determinou um mundo binário, sem a visão dialética de um estágio de entendimento e avanço. A evolução dos meios de produção, do consumo, das estruturas financeiras, e dos governos e órgãos de regulação das atividades econômicas, foram estruturantes nos comportamentos atuais e nas relações pessoais e de consumo. 
O avanço tecnológico permitiu o atendimento de necessidades humanas de tomada de decisões, diversificou a oferta de produtos e serviços, gerando o bombardeio informacional/propagandístico sobre as pessoas. Aliando a demanda estrutural, e natural, que todas as pessoas têm de poder escolher soluções, materiais e imateriais, para suas vidas, levou a um grande número de opções e de escolhas, gerando uma “intoxicação”, um congestionamento no processo de entrada, análise, correlação, e conclusão do cérebro humano. O mundo saiu de uma época preto-e-branco para uma humanidade quase psicodélica dos mais diversos matizes, em todos os campos, passando a oferecer, a estrutura de produção, a sensação de um verdadeiro paraíso de escolhas, como se as necessidades fossem infinitas, as possibilidades de consumo também, e como se a elevada ansiedade dessa situação nova pudesse levar as pessoas a níveis imponderáveis de prazer e satisfação de seus desejos.
As capacidades de avaliação, percepção, comparação, ponderação dos seres humanos são ativadas pela motivação de opções, que, em quantidade desproporcional, podem conduzir à angústia, ansiedade, frustração e depressão.
Esse panorama pode ativar estimulações exageradas na capacidade de escolher e consumir, relegando o ser humano a uma dimensão quase única, ligada ao consumo, gastos, compromissos financeiros e ao empobrecimento das relações sociais, familiares, políticas, e à perda de fundamentais habilidades relacionais.

Ao começarmos nosso texto com a pergunta sobre a identidade social do ser atual, nossa intenção é exatamente partir da realidade atual, para verificarmos, depois, os fundamentos históricos, culturais, econômicos e políticos de nossa sociedade brasileira, para que se possa fazer um batimento, uma avaliação comparativa para que possamos entender nossa evolução como sociedade, nosso desenvolvimento como seres portadores de determinadas características culturais, e tentar abranger uma visão de país, de nação, com toda a complexidade construída e gerada pela soma desses contextos.
Nossa história foi composta por um mosaico variado, onde a figura do próprio “descobrimento” do Brasil pelos portugueses é altamente discutível, uma vez que 6 anos antes, em 1494, o Tratado de Tordesilhas havia sido firmado entre Espanha e Portugal, dividindo as terras descobertas no Ocidente, em duas áreas de interesse dos dois países.

Em história, além das grandes interpretações e subjetividades dos escritores e pesquisadores, ainda se somam os interesses estratégicos, de diversas épocas, governos, instâncias de poder, visões religiosas, que podem passar informações consolidadas, nem sempre resistentes a processos de comparação e checagem.
Outro aspecto interessante, sobre o modelo humano brasileiro, é o tocante à propalada “cordialidade” do brasileiro. Cordial vem de cordis, coração, como se fossemos todos virtuosos na capacidade de se cordiais. Mas estudando nossa história vemos que os aspectos históricos nos fornecem novos elementos. Em vez de “cordial” poderíamos interpretar como “cordato” o perfil de nossa natureza humana, pela dominação e anexação externa portuguesa? Pela facilidade em aceitar governos e políticos nem sempre competentes e eficazes?

Temos uma história que de cordial e democrática tem muito pouco. Em cinco séculos de história, desde o Brasil-Colônia, Império, República, assistimos um desfile assustador em termos de exercício do poder, nas relações entre diferentes, na convivência entre hiper e hipo-suficientes. A pálida vivência democrática brasileira sempre foi intercalada por golpes, quarteladas, ameaças de golpes, e regimes dúbios. A República foi implantada num golpe de estado, seu dirigente se manteve no poder por outro golpe, a república velha foi deposta em 1930 por golpe militar. Getúlio se manteve até 1945 no poder com o golpe do Estado Novo em 1937, Juscelino Kubitschek de Oliveira quase não toma posse após democrática eleição, só chegou ao governo por outro golpe dado pelo General Lott. Com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, os militares tentaram golpe para não deixar o vice-presidente eleito assumir suas funções. Em 1964 novo golpe, que durou 21 anos, até 1985.
Em 500 anos tivemos, efetivamente, bem menos de um século de regimes democráticos. E mesmo em momentos aparentemente livres, a sucessão de crueldades cometidas por quem estava investido da força é algo muito presente.
Alguns episódios marcam bem essa condição. Na escravidão, que se prolongou por quase quatro longos séculos, a forma cruel de tratamento dos negros escravizados, e das negras, bem comprova a dualidade de posições.

Negros eram marcados a ferro e a fogo, como se marca o gado, sendo as marcas aplicadas no rosto, no peito, nas costas, para que se pudesse negociar essa força de trabalho, com garantia de procedência.
Negras, aos 15 e 16 anos, eram levadas a se prostituir pelas senhoras das fazendas, damas aparentemente cordiais e gentis, que colocavam suas joias nos corpos das adolescentes para que elas recebessem valores maiores por seus serviços sexuais, pois o “excedente” era muito bem recebido, como “renda” gerada para as famílias escravocratas.

Senhoras de fazendas, se eventualmente descobrissem que as “negrinhas” estivessem prestando esses mesmos serviços sexuais a seus próprios maridos, não titubeavam em matar as meninas, recorrendo ao requinte macabro de uma vingança conjugal. Muitas vezes mandavam amputar os seios das escravas mortas e os serviam, cosidos, a seus esposos, como demonstração da descoberta da infidelidade.
No nível político, muitos foram os movimentos que contestaram o poder constituído, ao longo da história, e que receberam respostas violentas e desproporcionais. Os episódios de Canudos e do Contestado, como exemplos, foram objeto de campanhas militares, que não visaram somente a capitulação dos vencidos, mas à sua extinção, com milhares de execuções posteriores às derrotas.

O movimento tenentista de 22, com a revolta do Forte de Copacabana, gerou dois aprisionamentos apenas, e muitas mortes de militares. Os sete povos das Missões, que foram palco da Guerra Guaranítica, foram completamente destruídos em 1756, atacados em conjunto, por tropas uruguaias, argentinas e militares brasileiros.
No mesmo ano de 22, quando aconteceu a revolta dos tenentes, ocorreu a Semana de Arte, Moderna, em São Paulo, que revolucionou a forma de valorização da criação artística no Brasil. Uma elite de artistas nacionais, irreverentes à ordem vetusta que existia, ampliaram os limites, inovaram em processos que inauguraram o modernismo, e exerceram influência nas décadas seguintes. Destacaram-se no movimento Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Heitor Villa-Lobos e muitos outros.

Mas o que se pretende, com essas citações, e comparações, é tentar prospectar como se formou, e consolidou a cultura brasileira, e como ela se manifesta, em termos de cidadania participativa, neste início do século XXI.
O mosaico histórico é um pano de fundo de nossa formação, que não pode se desconectado na tentativa de se compreender nossa atualidade, nossos comportamentos, pois esse substrato variado fez parte de nosso passado, influenciou nossos ancestrais, moldou corações e mentes, e desaguou em nossa caminhada. Objetiva, ou subjetivamente, o lastro é suficiente para influenciar em nossas vidas, em muitas dimensões, e gerações.

As sociedades são uma resultante de muitos fatores. História, cultura, guerras, influências, hábitos em função das condições climáticas, tudo isso molda perfis, conecta passado, presente, e desemboca no futuro, das pessoas e das sociedades.
Nosso século XX, marcado por duas linhas políticas preponderantes, passou por outras vivências de ordem econômica, financeira, tecnológica, que geraram grandes repercussões. A tecnologia da comunicação, implantada no Brasil na década de 60, o grande desenvolvimento da tecnologia da informação, que a partir das transformações digitais dos anos 80 determinou mudanças significativas, e radicais, nos processos produtivos e sobre os comportamentos humanos, contribuiu, fortemente, com a chegada de novos patamares relacionais, considerando ainda o processo de urbanização, a entrada no mercado da força de trabalho feminina, e o novo perfil das famílias modificadas por todas essas novas posturas.

A sociedade mundial sai de uma binariedade ideológica no final da década de 80, o Brasil reencontra a Democracia, em 1985, por eleições indiretas, e a cidadania brasileira é afetada por nova condicionantes contextuais, que não lhe permitem “curtir” a conquista ou valorizar a mudança.
Em 1979, a lei da Anistia trouxe de volta ao Brasil muitas pessoas que tinham sido exiladas pela intolerância da ditadura, entre 1964 e 1985. No mesmo ano, o General Geisel, presidente militar, concordou, por influência de um catarinense ilustre, o joaçabense Raymundo Faoro, com o envio de matéria legislativa ao Congresso Nacional, para remover o entulho autoritário, desde o Ato Institucional 5. Conjunto de normas impostas ao país pela ditadura, e que valeu por 25 anos, um quarto de século. Em 1979 também iniciou o processo da Anistia, com pequenas repercussões na sociedade geral, pois ainda vigorava a censura. Isso fez com que grandes avanços conceituais, políticos, e comportamentais passassem em branco para grande parcel da população brasileira, já muito comprimida pela crise econômica deixada pelo governo militar, associada à crise mundial do petróleo, que projetavam a inflação brasileira a níveis inimagináveis atualmente.
E a reforma partidária, feita entre 1878 e 1980, que gerou novo panorama político e representativo eleitoral, feito ainda no período ditatorial, sem a crítica ou a ampla participação social? Como influiu a frustração das “diretas já”, engolidas pelo Colégio Eleitoral, sem um único voto popular, com a eleição de Tancredo Neves de forma indireta. Como se manifestou nas almas brasileiras a morte do presidente da redemocratização, e a posse de um presidente do partido que deu sustentação à ditadura?

Todos esses fatores, que aconteceram entre 27 e 48 anos passados, deixaram suas marcas e influências, nem sempre agradáveis e positivas, nas gerações posteriores. Toda a história brasileira, de mais de 500 anos, é um patrimônio de peso significativo. Ainda mais se forem levadas em conta outras parcelas potencializadoras, e transversalidades contextuais.
O processo de globalização, ou mundialização, ocorridos nas décadas de 80/90, as mudanças paradigmáticas nos socialismo e capitalismo, a invasão tecnológica, o agudo processo de urbanização dos últimos 30 anos, associados aos novos hábitos e convívios produziram quais efeitos nas pessoas? A crise dos anos 80 e 90, a crise de 2008, expandida pelos bancos americanos para todo o mundo? O elevado volume de recursos estatais inseridos, gratuitamente na economia privada, para “salvar” os governos nacionais, como são notados pelas cabeças humanas, diante de outras prioridades não atendidas pelas administrações governamentais?

Como aquilatar esses efeitos numa população que ainda tem grande número de analfabetos, reais e funcionais? Como aferir os impactos na representação partidária, depois de 21 anos de um regime militar ditatorial, e numa fase da sociedade de afastamento pessoal, e participação por meios tecnológicos, impessoais, e redes de mídias interativas?
Uma sociedade se torna mais forte, constrói boas heranças e legados, quanto maior for a dose de solidariedade e generosidade em suas relações, sucessões, legados e gerações.

Nossa Escola é uma dessas transversalidades históricas, pretende interferir nos processos participativos, gerar cidadania ativa e ser um agente de transformação social. Temos consciência plena da importância que nossa caminhada pode representar numa nova construção de inovações e esperanças. A história brasileira, por suas contradições fortes como a longa fase escravagista, pode ser determinante numa visão autoritária e por comportamentos equivocados, omissos, ou cordatos, chegando à acomodação e à transferência de nossas responsabilidades, de nossos direitos e de nossos deveres. Somos um país que ainda não valoriza adequadamente o trabalho, a inovação, o empreendedorismo, e as atitudes independentes do Estado, sem as relações promíscuas do Estado Corte, que houve no Brasil, até as portas do século XX.
Nosso processo de criação de empresas, de industrialização, foi todo ele sempre de iniciativa governamental estatal, num paternalismo castrador, gerador de inação e dependência. E somente ocorreu no inicio do século XX. A educação ainda é atrasada, incompleta, mas serve de fonte de grandes verbas e obras, que acabam prestigiando o compadrio e a atuação medíocre e personalista de uma casta de políticos e homens públicos completamente superados. A educação obrigatória está implantada na Suiça desde 1524, e Alemanha, França e Inglaterra tem diferenciais de “primeiro mundo” pela atenção, e seriedade com que tratam suas área educacionais. A Coréia tem índices de desenvolvimento similares aos do Japão, países que investem em educação de forma prioritária, em valores e em conteúdos.
A área de saúde, os hospitais, os postos de saúde, apresentam realidades incompatíveis com o que se diz investir pelos governos. Profissionais pouco valorizados, valores indignos repassados por serviços de elevada complexidade, prioridades equivocadas, gestão temerária. A área de segurança é uma temeridade, agentes policiais mal pagos e pouco equipados, saem às ruas para enfrentar o crime e proteger a vida dos cidadãos.
Nosso processo político está doente, nossos partidos nada mais representam, os programas partidários são completamente inócuos e indiferenciados, e os militantes estão afastados e desmotivados. A proliferação de agremiações serve para negociar tempos em tv, cargos e favores com dinheiros públicos, mas não atende a função básica e precípua dos que deveriam ser “partes” da sociedade, e representa-la em sua multiplicidade e complexidade.
Qual o peso de nosso passado em nossa realidade presente? Não podemos voltar atrás e reescrever a história, mas podemos, e devemos, com a consciência que o conhecimento nos dá, e com o saber que o tempo constrói edificar laços novos, éticos, saudáveis, que nos permitam sonhar, e construir a sociedade que queremos, as cidades que necessitamos, e o meio ambiente que preservará nossas vidas e de nossos descendentes.

E essa é a função de nossa Escola de Governança e Cidadania Ativa, ajudar no processo de resgate das crenças democráticas, dos princípios éticos no Estado, e na fortificação das instituições permanentes, balizas pró-ativas do legado que se pretende deixar, nessa corrida de revezamento que é a vida. Com muito debate e participação ativa!
Se passarmos o bastão um pouco à frente do que recebemos, estaremos ajudando a construir o avanço da sociedade, a melhoria que todos sonham!

 -APRESENTAÇÃO PALESTRANTE:DANILO ARONOVICH CUNHA É CONSULTOR CORPORATIVO EM GESTÃO E DESENVOLVIMENTO HUMANO. DESEMPENHOU FUNÇÕES PRIVADAS E PÚBLICAS EM DIVERSOS NÍVEIS: FOI SECRETÁRIO DE ESTADO DE PLANEJAMENTO, SECRETÁRIO-CHEFE DA CASA CIVIL, PRESIDENTE DO CIASC, PRESIDENTE DO SAPIENS PARQUE, EDUCADOR E DIRETOR DA ESCOLA DE GOVERNO E CIDADANIA DA UDESC, EDUCADOR E COORDENADOR GERAL DA ESCOLA PERMANENTE DE FORMAÇÃO POLÍTICA DA FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES DE SC, DIRETOR DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE FLORIANÓPOLIS, DIRETOR DA SUCESU/SC, SUPERINTENDENTE DA EMBRATEL DE SC, PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DO SEBRAE SC, CONSULTOR DA ONU, CONSULTOR DO PNUD, EXECUTIVO DO ESCRITÓRIO DA ONU/PNUD EM SC. ATUALMENTE É COORDENADOR DA ESCOLA DE GOVERNANÇA E CIDADANIA DA ACM.
-BIBLIOGRAFIA INDICADA PELO PALESTRANTE:
-A ÉTICA É POSSÍVEL NUM MUNDO DE CONSUMIDORES? Autor: Zygmunt Bauman
-REPÚBLICA INACABADA Autor: Raymundo Faoro
-CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO E EXCLUSÃO Autora: Denise Lacerda
-EM BUSCA DA POLÍTICA Autor: Zygmunt Bauman
-BRASIL FARDO DO PASSADO, PROMESSA DO FUTURO Autor: Leslie Bethell e outros
-PEDAGOGIA DO OPRIMIDO Autor: Paulo Freire
-AS POSSIBILIDADES DA POLÍTICA Autor: Marco Aurélio Nogueira
-OS PARTIDOS POLÍTICOS Autor: Jean Charlot/UNB
-DICIONÁRIO DA ESCRAVIDÃO Autor: Alaôr Eduardo Scisínio

 

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