Estive visitando Blumenau, depois de toda a cobertura que vi e li na imprensa de SC, e pude avaliar os impactos humanos que essa tragédia, das águas e da terra, causou.
Para lá chegar, vamos passando por Itajai, Ilhota, Gaspar. Estradas quebradas, casas destruídas, árvores arrancadas, campos enferrujados pela terra vermelha e seca.
Vi uma cidade embarrada, empoeirada, e pessoas, muitas pessoas. Todos tentando recomeçar, retomar suas vidas, reencontrar a normalidade, voltar a viver esse início de dezembro, com o qual o vale do Itajai sempre nos presenteou com seus enfeites de Natal, com suas decorações tão festivas e acolhedoras.
As enchentes sempre foram enfrentadas com coragem e muita disposição física de reação dos moradores. O capricho das casas, a limpeza das ruas, a simpatia das lojas foram elementos de beleza típica com que os visitantes eram recebidos. Agora, desta vez, algo estava muito diferente.
Eram as mortes, as muitas mortes. As mortes de muitas pessoas, as mortes de muitas árvores, as mortes de muitos sonhos e esperanças. Vi pessoas andando pelas ruas como se fossem zumbis.
Olhares fixos, alguns assustados, outros distantes, mas em todos a dor. A dor do que passou, a dor do medo, a dor da crueldade da situação.
Falei com pessoas que tudo perderam, mas que ainda mostravam dignidade e vontade de reação. Mas as pessoas que , além do todo material, ainda perderam seus amores, seus filhos, seus pais, seus maridos, suas esposas têm, e terão, enorme dificuldade para voltar.
Não só para os seus locais, muitos deles enterrados para sempre, sob as camadas de um barro, que um dia foi sua plantação, seu quintal, sua vida e seu futuro. Eles mostram a enorme distância, o abismo imenso, que terão de percorrer para voltar à sua normalidade.
Seus olhos injetados, sua aparente passividade, demonstra, denuncia, o desespero, a solidão da dor, a incomunicabilidade, a impossibilidade de expressar a ajuda humana de que precisam.
Eles podem receber novas moradias, novas roupas, novas bicicletas e novas cozinhas.
Mas onde encontrarão seus seres amados, com os quais dividiam seus dias, suas noites, suas alegrias e preocupações. Com quem falarão, ao final do dia, para perguntar se aprenderam as lições, se o dia de trabalho foi bom, se a namorada estava bem, se a gravidez está tranquila? De quem sentirão o perfume, para quem farão seus almoços e jantas, para quem trarão flores e presentes?
Esse vazio, essa imensa tristeza do nada, o buraco na alma, é que comove, que desespera, que aponta para um fim, que mostra a grande imobilidade diante da morte, da separação definitiva, da viagem sem volta. Os olhos das pessoas que tudo perderam, que perderam seus sentidos de vida, são as maiores fossas abissais jamais vistas.
Eles mostram, como projeções hipnóticas, para que todos possamos assistir, os ultimos momentos daquelas vidas que foram arrancadas, às vezes das mãos que tentatavam segurá-las, tentavam em vão salvá-las da torrente, da onda imensa, da lava de barro e água que as levou e soterrou.
Seus olhos mostram o espasmo, a estupefação, a impotência, diante da tragédia inesperada, frente à dantesca e avassaladora força de uma natureza alterada, imprevisível, desequilibrada e incontida.
E diante desses olhos, desses vazios, dessas dores ambulantes, dessas vidas sem esperança, o que nos resta, o que ainda podemos fazer? Que gesto executar, que palavra usar, que ação empreender? O apoio, a acolhida, o medicamento, o alimento, o abrigo ainda podemos suprir.
Mas e a alma, seus peitos vazios de amor, suas mãos crispadas por um sentimento que talvez, nunca consigam, nunca possam expressar, como podemos ajudar? Talvez, para muitos, o restante de suas existências se transforme num eterno lembrar, num sempre sonhar, com os dias que já não voltarão.
E nós, que assistimos a tragédia da destruição, de nossos lares seguros, o que poderemos fazer? Nós, que agora vemos o desespero das perdas, a dor das mortes de seus queridos, como podemos ajudar? Poderemos ir lá abraçá-los, ouvi-los, contemplá-los, dar-lhes carinho, um carinho que jamais se aproximará daquele que recebiam dos seres que perderam.
E, além dessa ajuda, temporária, passageira, uma verdadeira muleta humana e existencial, uma temporária tala de afeto para tentar recuperar essa fratura em suas almas, o que podemos fazer de mais duradouro, de mais permanente, não para recuperar seus amores, suas pessoas queridas, que foram levadas, arrancadas de suas vidas, pois essas não voltarão.
O que podemos fazer por outras vidas, por outras crianças, enfim, por nós mesmos? Se a tudo fomos condenados a assistir, se a essa tragédia fomos obrigados a aceitar, como um filme de horror, pronto e acabado, resultado de um roteiro de autor desconhecido, os próximos capítulos podem depender de nossa atuação. Podemos exercer uma crítica sobre o que vimos, sobre o que ocorreu.
Se não há um único autor da novela, viva e real, de terror que assistimos, podemos assumir, como num imenso e caricato reality show, a nossa co-autoria, a nossa cumplicidade, mesmo não desejada e consciente, nessas mortes, nessas separações, em tanta destruição. Somos cidadãos do mundo, de tudo sabemos, a tudo assistimos, estamos sempre atualizados. A tecnologia da informação está em nossas casas, em nossos quartos, em tudo.
Como então esse filme foi feito, montado e editado? De tudo sabíamos, com tudo concordamos, que "soma" tomamos, (parodiando Aldous Huxley em seu genial Admirável Mundo Novo), para nos anestesiarmos e permitirmos que o ambiente fosse agredido, que a natureza fosse alterada, que os rios secassem, que o desequilíbrio se instalasse?
Erramos! Erramos muito! Temos que reconhecer. Aos mortos devemos, aos sobreviventes nos obrigamos, aos novos temos que prometer, que tudo faremos, que nos transformaremos e que mudaremos o que foi o terreno fértil da destruição. O terreno da alienação da cidadania, o terreno do desprezo pelo berço da nossa vida, o terreno da insensibilidade, do egoismo, da frieza de quem se acha resolvido, em seus projetos mesquinhos e individuais e que abandonou o mundo nas mãos dos interesseiros, dos imediatistas.
Abandonamos o mundo nas mãos dos que dizem construir, mas destróem para lucrar.
Abandonamos o mundo nas mãos dos que emitem papéis sem valor, dos que criam alimento com o desmatamento, dos que queimam o verde e destroem o ar. Se agora sabemos, se agora vemos o resultado, tão próximo, da nossa preguiça, da nossa acomodação, como podemos reagir? Ainda há tempo? ainda é possivel?
Temos, talvez, algumas poucas oportunidades ao nosso alcance.
Existem pessoas que lutam, que se engajam, que propugnam novas ações pela vida. Pessoas que não se entregaram ao comodismo e que não se conformamser a vida um eterno consumir. Essas pessoas estão por todos os lugares. Precisam de mais pessoas para mudar essa verdadeira crônica da morte anunciada de nosso ambiente de vida. O que elas propõem é pouco, fácil, acessível, está em nossa mãos, nas mãos de todos. Vamos nos juntar, vamos somar nossas forças, vamos exigir nossos direitos, vamos respeitar os que já morreram e pelos quais nada fizemos.
Vamos fazer com que respeitem a natureza, vamos pedir tempo, muito tempo, para que se examinem leis, projetos, decretos, todos feitos com nosso nome, com nosso voto. Vamos recolher nossas procurações, vamos direto ao ponto, sem representantes, dizer, bradar que queremos respeito com o ar, cuidado
com a água, preservação para o todo. Vamos pedir tempo para pensar o que nossa terra precisa, o que nosso
solo requer, o que nossos rios clamam. Nossa vida deles depende. Se queremos viver não os podemos esquecer, ou abandonar nas mãos de quem não sabe o que fazer.
com a água, preservação para o todo. Vamos pedir tempo para pensar o que nossa terra precisa, o que nosso
solo requer, o que nossos rios clamam. Nossa vida deles depende. Se queremos viver não os podemos esquecer, ou abandonar nas mãos de quem não sabe o que fazer.
Ou que não tem a devida cosnciência.
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