domingo, 13 de maio de 2007

Condomínio Brasil

CONDOMÍNIO BRASIL danilo cunha- setembro 2005




Bom dia, Zé !
Zé é apelido de amigo, diminutivo carinhoso de um brasileiro orgulhoso.
Seu nome é José dos Passos, senhor José dos Passos como exigiu ser chamado depois que fez trinta e festejou com sua turma.
O Zé é daqui, manezinho dos bons, freqüentava o Ponto Chic e quase recebeu o título de Senador, lá do Senadinho.
Muita gente importante lhe pagou café, com muitos dialogava, com vários teve amizade, fazia uma boa graxa e até tinta botava.
Ele mora aqui, trabalha fora e volta à noite.
Ele acorda cedo, sempre pelas cinco e meia ou seis horas.
Sabem como é, muita luz, muito movimento, barulho de carros, vozes, limpeza da cidade etc.
Ele dorme neste prédio. É abrigado, não pega chuva e a segurança lhe oferece um pouco de
tranqüilidade.
Os moradores dos apartamentos lhe dão comida, algumas roupas e até mesmo cobertor.
Só não gostam que ele permaneça aqui na frente, durante o dia, pois o edifício é novo,muito chique e só para o jardim, tem um cuidador.
Toma seu café naquele bar para cujo proprietário Zé presta serviços, fazendo manutenção na área de transportes (lava seu carro).
Claro que nem todo mundo gosta do Zé . Sua presença muitas vezes incomoda os que o vêem e ele vê aqueles que o incomodam . O pior mesmo para o Zé, que é uma pessoa comunicativa, é notar que muitos não o vêem.
Mas o Zé é um ser produtivo .
Não pede esmola, ganha seu dinheiro do trabalho e tem orgulho do que faz.
Êle trabalha, e trabalha bem, é organizado e, dependendo do dia, consegue juntar muito
mais material que seus colegas de trabalho.
A indústria da reciclagem está valorizada, os preços pelo quilo do cartão, do plástico e do
alumínio são crescentes e os ganhos estão melhorando.
Quem sabe um dia o Zé terá reservas para comprar uma casa melhor ?
A sociedade até está reconhecendo que esse trabalho está ajudando na beleza das cidades,
na limpeza das ruas e no sustento das famílias.
A sorte do Zé é que ele não tem família para sustentar, filho na escola para pagar, imposto
para incomodar, nem mesmo carnê da previdência para saldar.
Mas, também, não tem família para amar, mulher para falar, roupa para lavar ou vizinhos
para trocar.
O trabalho pesa, o calor aumenta, a fome bate.
É hora de parar e almoçar .
Ele pára, pensa e escolhe onde comer .
Da última vez a comida estava saborosa, havia boa quantidade, tinha até sobremesa.
Zé vai ao restaurante .
A fila está grande, a espera também .
Zé se conforma, esse é o preço de comer bem !
A fila anda, chega sua vez, pega a bandeja, os talheres .
Copo e prato são enchidos, a mesa escolhida, senta-se .
O sabor é bom, lembra da sua infância, do cheiro da cozinha de sua mãe .
Lembra também da Maria, a sua Maria, na verdade a sua ex-Maria.
O Zé já teve esposa, sim senhor !
E que esposa !
Linda, companheira, prendada e faceira .
Mas com a bebida concorreu e para a bebida perdeu .
E o Zé com a bebida ficou e na solidão morou .
Todas as tardes o Zé tenta novas oportunidades . Procura novos materiais para reciclar e novos ganhos tentar.
As embalagens estão maiores, as vendas aumentaram, mais e mais material para faturar.
Anda muito, nem sempre encontra o que procura, pára, descansa um pouco,continua a busca e pára de novo.
Anda por lojas de rua, entra em shopping center, vai a super-mercados, vê muita gente, gente bonita, gente perfumada, gente bem penteada .
Gente apressada, gente resolvida, gente acompanhada, gente solitária.
Olha as moças, mas elas não o vêem . Nota as suas roupas, seus saltos-altos, seus cintos largos, suas barriguinhas de fora.
Vê os homens compenetrados, apurados, bem alimentados, com ternos bem cortados para seus ventres dilatados .
A barriga lhe dói .
A barriga avisa que chega o entardecer.
Precisa de novo comer .
O corpo cansou, os músculos doem, os pés inchados .
A cabeça pesa , a tensão pressiona , precisa descansar .
Ah, uma boa happy-hour, um bom “ scotch “ com os amigos, uma boa janta com a patroa.
Zé pára, procura nos bolsos, encontra trocados, decide beber.
Um aperitivo, afinal, não vai fazer mal.
O estresse precisa amainar, não é fácil na vida pensar, ele precisa relaxar .
Zé entra num bar, pede a bebida que sorve devagar.
Começa a pensar que ainda precisa andar .
Para sua casa êle quer voltar .
Como é bom no seu cantinho pensar.
Que conforto na sua cama se esticar .
Que alegria deitar e sonhar .
E o Zé sonha.
Sonha com seu pai, obreiro também, que ele amava e gostava de ver jogar.
Era ponta-esquerda, certeiro e preciso como quando sentava tijolos .
Obreiro como ele, que um dia pisou errado , errou o passo , caiu do andaime e morreu no chão.
Morreu na construção daquele prédio maravilhoso que construiu com suas mãos , com seu suor , com sua esperança.
Sonha com sua mãe, caprichosa, lavava e passava as roupas das madames e das famílias.
Sua mãe que cozinhava tão bem, que ajudava nos deveres daquilo que entendia, daquilo que conseguia entender.
Sonha com seus irmãos, irmãs, todos juntos brincando, jogando bola, soltando pipa, correndo, pulando cercas, roubando frutas.
Sonha com as namoradas, as paqueras e surge Maria.
A sua Maria, a mulher da sua vida, vida que trocou e não melhorou .
Mas continua sonhando com Maria, o amor da sua vida .
E sonha mais.
Sonha com Maria, numa casa, na casa deles, com sala, quarto, cozinha, jardim e um berço.
E Zé enxerga em seu sonho seu filho, o filho que queria ter com Maria, a família que queria formar .
E Zé acorda e vai de novo trabalhar, pois seu dia está para começar e não há mais tempo para sonhar .


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Homenagem
Em homenagem a todos os Josés que dormem sob os céus , que sonham com uma vida melhor , que sonham com uma casa , onde possam abrigar sua família e viver seu amor.
O Zé do texto é baseado nos tantos Zés que moram nas ruas , que ainda não se entregaram à indignidade , ao crime ou à transgressão .
Tantos são os Zés , que muitos de nós temos dificuldade em vê-los ,em notá-los , em
compreendê-los .
O texto homenageia os Zés , que só precisam um pouquinho de apoio,de atenção , para se sentirem incluídos ou resgatados .

Um comentário:

Luiz Felipe Czarnobai disse...

Danilo, os teus escritos fazem com a gente aprenda muito com tua energia e vontade de se lançar em tuas batalhas. Todos retratam um poder simbólico muito forte, um precioso desejo de reverter uma lógica social injusta e excludente.
Todo o meu aprendizado me leva à certeza de que há sim uma luz no fim do túnel, e à comprovação de que se pode lutar e trabalhar pelo desenvolvimento da humanidade.
Agradeço pelo privilégio de ser tua amiga.
Rosane