quinta-feira, 2 de março de 2017

MULHERES DO BRASIL


Nossa sociedade ainda muito influenciada por uma masculinidade excessiva, fruto de muitos anos de uma grande distância e desigualdade entre homens e mulheres, ainda produz uma série de efeitos práticos, nas relações familiares, sociais, profissionais e políticas.

Leis estão sendo atualizadas e modernizadas, regulamentos formais estão sendo aperfeiçoados, relações de trabalho já são balizadas pela inovação comportamental.
Mas em vários campos ainda nos defrontamos com mais motivação para priorizar o que envolve homens.

A questão prisional e penitenciária, em todo o Brasil, é um desses espaços em que a mulher não recebe a devida atenção igualitária.
Há muitos anos atrás, depois de contatos com a realidade do Presídio Feminino de nossa capital, implantei uma organização não governamental, com o objetivo de carrear ações e recursos para ajudar no processo de ressocialização das detentas.

Batizei a organização de Flor-de-Lotus, pelo belo simbolismo que os orientais atribuem à essa planta.
Ela nasce no lodo, mas se desenvolve de forma a oferecer a beleza de uma das mais lindas flores e um suave aroma, que em nada retrata o meio físico de onde veio, o lodo.

Esse signo associado à flor motivou a compreensão das voluntárias que se agregaram ao trabalho, pois a possibilidade de uma retomada de vida normal, pelo trabalho e aceitação social, corresponde à beleza da visão oriental: não importa o que você fez ou de onde veio, o importante é que diante da sociedade já houve o ajuste de contas, dentro da lei, e a vida espera do lado de fora dos ambientes onde as penitências foram cumpridas.

Muitas foram as mulheres que integraram o grupo de esperançosas cidadãs, que juntaram suas energias e esperanças para levar dignidade e sonho a quem, além das penas formais, ainda era castigada por outras carências materiais e organizacionais.

Nas visitas que nosso grupo fez ao local de aprisionamento logo foram sentidas a falta de recursos de higiene pessoal e íntima, a pequena quantidade de banheiros e chuveiros, e o enorme vazio no tocante aos campos cognitivo e cultural.

Na época, uma cineasta gaúcha tinha produzido um filme muito bem elaborado, no qual contava a vida de uma ex-detenta, que apesar de passar por um pequeno processo de reencontro da “vida normal” no seio da sociedade, não tinha resistido ao impacto da idade, do preconceito e do transtorno da auto-exclusão social.

Organizamos uma programação para levar capacitação, palestras, peças culturais com cinema e teatro, e foi elaborado um amplo programa de estágios de trabalho, para que aquelas mulheres pudessem readquirir uma identidade social sem o peso, sem o carimbo, sem a pecha de um dia ter cometido crimes.

Várias organizações foram contatadas, e se propuseram a participar, para oferecer vagas de estágios, remunerados ou não, para que as mulheres pudessem conquistar um status com referenciais de pessoas produtivas.

Mas apesar de todo o esforço e de toda a energia aplicada ao longo de um bom tempo, as contradições burocráticas, estatais, legais, foram corroendo as possibilidades de se implantar um programa integrado de ressocialização de mulheres.

Ao lado do presídio masculino, no qual abundavam os programas remunerados de trabalho para detentos, no feminino a soma de recursos era extremamente rasa, a própria segurança física e prisional era ínfima, algumas vigilantes e uma escopeta de cano duplo na sala da diretora não eram suficientes, nem minimamente.

O voluntariado social é um patrimônio muito valioso, mas que precisa ser devidamente valorado e valorizado pelo estado, para retribuir toda a carga temporal aplicada, que muitas vezes é retirada das atividades familiares, laborais e profissionais.

O trabalho voluntário não visa ganhos nem pagamentos, de qualquer espécie, mas é uma doação ética, afetiva, emocional, física e até mesmo financeira, que precisa ser devidamente recebida e reconhecida, para que a sociedade apoie e se engaje no esforço de oferecer condições dignas de vida a seres humanos que já sofreram todo tipo de carências e violência.

Hoje, ao ler o Diário Catarinense, vejo na coluna da Jornalista Julia Pithan uma notícia que me encheu de alegria e esperança.
A empresária Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, está apoiando e patrocinando uma grande ação de mulheres, em todo o Brasil, chamado MULHERES DO BRASIL.

E constato, com júbilo e certeza do sucesso da iniciativa, que muitas valorosas e fortes mulheres catarinenses já alistaram suas competências e experiências para oferecer suas energias e força de trabalho para um programa voltado para presidiárias em Santa Catarina.

Mulheres do naipe de Annalisa Blando Dal Zotto, Amanda Lima Gomes, Fernanda Bornhausen Sá, Heloisa Luz, Mara Abreu, Salete Sommariva, Telma Lenzi, Sônia Hess de Souza, já se encontraram para começar a trabalhar.
Isso muda a sociedade, isso constrói novos rumos, isso é a convicção de que nem só homens, nem só grandes estruturas, nem só grandes verbas, é que movem a grande roda da mudança efetiva.

No Brasil, que já gerou grandes figuras femininas, as quais já ajudaram a construir inovação, mudança e avanços qualitativos, esse grupo de mulheres de nossa Santa Catarina resgata a imagem da grande brasileira Bertha Lutz.

Cientista, bióloga de formação inicial, conscientizou-se da importância do voto feminino como elemento garantidor da participação da mulher na construção dos destinos da nação brasileira.
Mesmo após uma consolidada carreira na área científica, com reconhecimento internacional, Bertha Luz foi estudar direito, para poder, como advogada, ajudar na redação de projetos de lei, bem como acompanhar e exercer pressão sobre o parlamento brasileiro.

A promessa do voto feminino era relatada desde a decretação da República, em 1889, mas só foi virar realidade em 1932, no Governo Getúlio Vargas, mas desde que autorizada pelo marido.
Somente dois anos depois, em 1934, é que a mulher alcançou o voto pleno, autônomo, independente, digno.

Essa grande mulher brasileira, Bertha Lutz, mereceria maior e mais perene reconhecimento de toda a nossa população, pois graças a seu envolvimento e capacidade de doação pessoal é que o Brasil hoje experimenta uma participação feminina expressiva e importante, que ainda deve ter seu potencial melhor aproveitado para o crescimento qualitativo de nosso país.


E usando o nome dessa mulher que é um símbolo da força feminina, capacidade intelectual, e determinação para trabalhos de elevado nível, é que cumprimento a todas as MULHERES DO BRASIL que se agrupam neste capítulo catarinense, para as quais desde já ofereço meu engajamento, convidando e convocando todos os homens de nossa terra, que sonham com dias melhores, a apoiarem com força e recursos, esse grupo de mulheres, que, com certeza, são símbolo das mudanças que o Brasil requer.





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