Nossa sociedade ainda muito
influenciada por uma masculinidade excessiva, fruto de muitos anos de uma
grande distância e desigualdade entre homens e mulheres, ainda produz uma série
de efeitos práticos, nas relações familiares, sociais, profissionais e
políticas.
Leis estão sendo atualizadas e
modernizadas, regulamentos formais estão sendo aperfeiçoados, relações de
trabalho já são balizadas pela inovação comportamental.
Mas em vários campos ainda nos
defrontamos com mais motivação para priorizar o que envolve homens.
A questão prisional e
penitenciária, em todo o Brasil, é um desses espaços em que a mulher não recebe
a devida atenção igualitária.
Há muitos anos atrás, depois de
contatos com a realidade do Presídio Feminino de nossa capital, implantei uma
organização não governamental, com o objetivo de carrear ações e recursos para
ajudar no processo de ressocialização das detentas.
Batizei a organização de
Flor-de-Lotus, pelo belo simbolismo que os orientais atribuem à essa planta.
Ela nasce no lodo, mas se
desenvolve de forma a oferecer a beleza de uma das mais lindas flores e um suave
aroma, que em nada retrata o meio físico de onde veio, o lodo.
Esse signo associado à flor
motivou a compreensão das voluntárias que se agregaram ao trabalho, pois a
possibilidade de uma retomada de vida normal, pelo trabalho e aceitação social,
corresponde à beleza da visão oriental: não importa o que você fez ou de onde
veio, o importante é que diante da sociedade já houve o ajuste de contas,
dentro da lei, e a vida espera do lado de fora dos ambientes onde as
penitências foram cumpridas.
Muitas foram as mulheres que
integraram o grupo de esperançosas cidadãs, que juntaram suas energias e
esperanças para levar dignidade e sonho a quem, além das penas formais, ainda
era castigada por outras carências materiais e organizacionais.
Nas visitas que nosso grupo fez
ao local de aprisionamento logo foram sentidas a falta de recursos de higiene
pessoal e íntima, a pequena quantidade de banheiros e chuveiros, e o enorme
vazio no tocante aos campos cognitivo e cultural.
Na época, uma cineasta gaúcha
tinha produzido um filme muito bem elaborado, no qual contava a vida de uma
ex-detenta, que apesar de passar por um pequeno processo de reencontro da “vida
normal” no seio da sociedade, não tinha resistido ao impacto da idade, do
preconceito e do transtorno da auto-exclusão social.
Organizamos uma programação para
levar capacitação, palestras, peças culturais com cinema e teatro, e foi
elaborado um amplo programa de estágios de trabalho, para que aquelas mulheres
pudessem readquirir uma identidade social sem o peso, sem o carimbo, sem a
pecha de um dia ter cometido crimes.
Várias organizações foram
contatadas, e se propuseram a participar, para oferecer vagas de estágios,
remunerados ou não, para que as mulheres pudessem conquistar um status com
referenciais de pessoas produtivas.
Mas apesar de todo o esforço e de
toda a energia aplicada ao longo de um bom tempo, as contradições burocráticas,
estatais, legais, foram corroendo as possibilidades de se implantar um programa
integrado de ressocialização de mulheres.
Ao lado do presídio masculino, no
qual abundavam os programas remunerados de trabalho para detentos, no feminino
a soma de recursos era extremamente rasa, a própria segurança física e
prisional era ínfima, algumas vigilantes e uma escopeta de cano duplo na sala
da diretora não eram suficientes, nem minimamente.
O voluntariado social é um
patrimônio muito valioso, mas que precisa ser devidamente valorado e valorizado
pelo estado, para retribuir toda a carga temporal aplicada, que muitas vezes é
retirada das atividades familiares, laborais e profissionais.
O trabalho voluntário não visa
ganhos nem pagamentos, de qualquer espécie, mas é uma doação ética, afetiva,
emocional, física e até mesmo financeira, que precisa ser devidamente recebida
e reconhecida, para que a sociedade apoie e se engaje no esforço de oferecer
condições dignas de vida a seres humanos que já sofreram todo tipo de carências
e violência.
Hoje, ao ler o Diário
Catarinense, vejo na coluna da Jornalista Julia Pithan uma notícia que me
encheu de alegria e esperança.
A empresária Luiza Helena
Trajano, do Magazine Luiza, está apoiando e patrocinando uma grande ação de
mulheres, em todo o Brasil, chamado MULHERES DO BRASIL.
E constato, com júbilo e certeza
do sucesso da iniciativa, que muitas valorosas e fortes mulheres catarinenses
já alistaram suas competências e experiências para oferecer suas energias e
força de trabalho para um programa voltado para presidiárias em Santa Catarina.
Mulheres do naipe de Annalisa
Blando Dal Zotto, Amanda Lima Gomes, Fernanda Bornhausen Sá, Heloisa Luz, Mara
Abreu, Salete Sommariva, Telma Lenzi, Sônia Hess de Souza, já se encontraram
para começar a trabalhar.
Isso muda a sociedade, isso
constrói novos rumos, isso é a convicção de que nem só homens, nem só grandes
estruturas, nem só grandes verbas, é que movem a grande roda da mudança
efetiva.
No Brasil, que já gerou grandes
figuras femininas, as quais já ajudaram a construir inovação, mudança e avanços
qualitativos, esse grupo de mulheres de nossa Santa Catarina resgata a imagem da
grande brasileira Bertha Lutz.
Cientista, bióloga de formação
inicial, conscientizou-se da importância do voto feminino como elemento
garantidor da participação da mulher na construção dos destinos da nação
brasileira.
Mesmo após uma consolidada
carreira na área científica, com reconhecimento internacional, Bertha Luz foi
estudar direito, para poder, como advogada, ajudar na redação de projetos de
lei, bem como acompanhar e exercer pressão sobre o parlamento brasileiro.
A promessa do voto feminino era
relatada desde a decretação da República, em 1889, mas só foi virar realidade
em 1932, no Governo Getúlio Vargas, mas desde que autorizada pelo marido.
Somente dois anos depois, em
1934, é que a mulher alcançou o voto pleno, autônomo, independente, digno.
Essa grande mulher brasileira,
Bertha Lutz, mereceria maior e mais perene reconhecimento de toda a nossa
população, pois graças a seu envolvimento e capacidade de doação pessoal é que
o Brasil hoje experimenta uma participação feminina expressiva e importante,
que ainda deve ter seu potencial melhor aproveitado para o crescimento
qualitativo de nosso país.
E usando o nome dessa mulher que
é um símbolo da força feminina, capacidade intelectual, e determinação para
trabalhos de elevado nível, é que cumprimento a todas as MULHERES DO BRASIL que
se agrupam neste capítulo catarinense, para as quais desde já ofereço meu
engajamento, convidando e convocando todos os homens de nossa terra, que sonham
com dias melhores, a apoiarem com força e recursos, esse grupo de mulheres,
que, com certeza, são símbolo das mudanças que o Brasil requer.
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