A família Tratsk tem sua origem na rica aldeia de Yusof, às margens do Mar de Azov, na Ucrânia.
Região muito rica em terras férteis, um verdadeiro celeiro, como sempre o foi toda a região das encostas da serra, que se debruça sobre o histórico e mágico cenário das águas de Azov.
Lá circulam histórias fantásticas, seculares, sobre os benefícios daquelas águas para a saúde das pessoas, existindo relatos de algumas, que teriam chegado aos 130 anos de existência, plenas de energia, inteligência, e sorrisos.
E, exageros à parte, relatam casamentos felizes depois dos 140 anos...
A família Tratsk, tem sua história iniciada por plantadores de vinhas em encostas, e escarpas, da serra que, naquela região de Yusof, se debruçam sobre o mar, recebendo seus ventos secos, que garantem a dosagem certa de umidade e temperatura, para que as vinhas de altitude forneçam um vinho muito especial, ao qual também são atribuídas algumas características misteriosas.
Dizem, na região, que quem provou o vinho de altura produzido pela família Tratsk, garantiu longa e alegre vida, e que o vinho transforma os sisudos em risonhos, os tristes em felizes, os rabugentos em simpáticos, os solitários em pessoas que passaram a adorar a vida em grupos, com boas gargalhadas.
É muito repetida, e conhecida, a história de um rico viajante que, no século XVIII lá chegou arrastado por vários criados, e que teria exclamado, quando em Yusof entrou: "vim aqui para morrer, as minhas dores não me deixam mais sentir a alegria de viver".
Conta a lenda que o rico, dolorido, e infeliz visitante teria até pedido para chamar um monge para que recebesse as bençãos divinas, pois acreditava, firmemente, que dali não sairia vivo.
Suas expressões faciais demonstravam as dores agudas que o acometiam.
Não se movia sem a ajuda de seus servos, nem se alimentava se alguém não lhe segurasse a colher e a levasse a seus murchos e contraídos lábios.
Seus cabelos precocemente grisalhos, os sulcos em sua pele do rosto, as marcas fundas em sua testa, formavam um quadro triste de doença e dor.
Foi chamada a matriarca da família Tratsk, de origem cigana, conhecedora de vários cerimoniais secretos de cura e recuperação.
Contam que já havia devolvido a vida a guerreiros atravessados por lanças, espadas, alguns exageravam relatando que com suas mãos tinha extraído uma bala de canhão das costas de um corcunda...
Quando examinou o sofredor e triste visitante, seu olhar se iluminou. Mandou que lhe fossem servidos, todos os dias, ao longo de 5 dias, jarras da água que vertia em uma fonte, que passava entre as vinhas e se derramava no grande e azul mar de Azov.
A lama formada pela água, que descia entre as vinhas, foi colocada em grandes bacias e enquanto quase afogavam a triste figura nos muitos litros da água das alturas, seu corpo foi sendo esfregado por delicadas mãos femininas, de moças da aldeia de Yusof, que aprendiam as mágicas de cura com a matriarca Tratsk, e se preparavam para que, um
dia, pudessem aplicar as curas em pessoas que estivessem acometidas por algum tipo de sofrimento.
Até hoje não se sabe a causa exata, mas contam que a partir do terceiro dia as rugas foram sendo substituídas por sorrisos suaves, as contraturas deram lugar a descontraídas gargalhadas, e que no quinto dia teria sido visto um feliz desconhecido que subia as montanhas da região, ajudava a colher uvas em grandes cestos, sem qualquer ajuda.
E ainda dava belos saltos no mar, lançando-se de rochas que avançavam sobre o leito do Azov.
Uma das causas, além da lama, da água, seriam as jarras do vinho de altitude da família Tratsk, que uma das aprendizes da matriarca Tratsk teria servido ao viajante, que um dia chegara triste.
Outros garantem que os estímulos das belas mãos daquela donzela, aliados ao efeito da atmosfera mágica da vila de Yusof garantiram não só a plena recuperação do doente, mas lhe permitiram formar uma numerosa família, com a bela que o atendeu, e que eles foram felizes, para sempre, cultivando e produzindo um vinho, com uma grafia em russo ortodoxo, mas que foi traduzido como "vinho do pleno amor".
E ainda relatam que viveram até os 160 anos, fase na qual ainda se ouviriam gritinhos alegres, que partiam do dormitório do casal, à noite...
Quando foram enterrados, nada foi capaz de retirar os suaves sorrisos, que ambos ostentavam em seus joviais rostos seculares...
Mas além dessas lindas passagens, contos, lendas, e fatos reais, a história da família Tratsk registra aspectos muito interessantes.
Pessoas dedicadas ao convívio pleno e equilibrado com a natureza, viviam em paz, entre si e com seus vizinhos e moradores de outras vilas próximas.
Mas no século XIX as guerras internas na Europa, que chegaram ao território ucraniano, geraram profundas mudanças no viver daquela família dedicada ao bem-viver a à produção de bons vinhos.
O ambiente hostil que contaminou a Ucrânia, as divisões causadas pelas adesões a um dos diversos lados das batalhas travadas, foram aos poucos deixando a aldeia de Yusof dominada pela incerteza, pelo medo, pela tristeza.
Mas os Tratsk não eram pessoas de se entregar ao baixo astral.
Reuniram todos os membros da grande família, discutiram durante os cinco dias de praxe, comeram bons peixes e frutos do mar de Azov, tomaram muito suco de uva, muitos litros do bom vinho, que produziam, e foram chegando a uma nova decisão sobre suas vidas.
Não fazia muito tempo que um dos membros da família Tratsk, capitão de longo curso, tinha levado seu navio cargueiro para entregar mercadorias num país ao sul do equador, que tinha lhe parecido o paraíso em terra.
Nada entendeu de seu idioma, pois de um lado da fronteira do Rio da Prata, se falava o idioma do reino de Castela, do outro predominava uma língua que em alguns sons até lembrava o russo, mas era completamente diferente, em grafia e pronúncia.
Diziam que era o português, mas o Brasil se chamava assim por uma árvore de nome
pau brasil, por lembrar o vermelho das brasas e do fogo.
Contava ele que tudo era lindo, mas reinava uma imensa confusão, pois o povo era dominado por um imperador, que era de Portugal, mas se dizia brasileiro, contrário à sua família, que o havia colocado no poder.
Ainda tinha um marechal, um tal de Fonseca, que bradava contra o império, dizia que queria uma nova república, mas sempre se enganava e acabava saudando o imperador, quando sacava sua espada para proclamar a república...
Isso teria durado até o dia em que o marechal, finalmente, acertou a frase toda e quando gritou contra o império e a favor da república, esta acabou sendo proclamada, mas sem saberem exatamente o que era isso...
E assim o capitão de longo curso, com a sua rica descrição do paraíso anárquico, que havia encontrado no sul do mundo, conquistou a todos da família, e eles se prepararam para deixar a Ucrânia e migrar para uma nova vida, nesse novo território mistura de Espanha, de Portugal, de imperiais e republicanos, de chimangos e maragatos, de brigas de fronteiras, de revoluções, mas que parecia que, um dia, teria mais tranquilidade do
que na velha Europa, que, apesar de seu nome de Deusa, estavam mergulhando em divisões, guerras e muitas, mas muitas confusões.
A migração
A família Tratsk, ou pelo menos uma parte dela, por sua familiaridade com a proximidade da água, e por ter vivido várias gerações nas encostas do mar Azov, encontrou uma região que lembrava muito a sua de origem.
Um belo rio, que passava entre duas cidades, ambas montanhosas, onde havia muito sol, mas o frio era assegurado por um rigoroso inverno.
Ficava no meio caminho entre o oceano Atlântico e um dos países ligados aos reis católicos da Espanha, e que tinha o nome derivado da argenta, da prata que dava nome ao rio, e no que era muito rico.
A Argentina fazia fronteira com o Brasil, e o estado onde ficara a cidade escolhida para a instalação da família, tinha, também, um nome santo, pois era Santa Catarina.
E assim, às margens de um grande rio, os Tratsk se instalaram num herval, que ficava a oeste, e que com o tempo passou a se chamar Herval do Oeste, em frente à Joaçaba, com a qual dividiam o rio, que banhava as margens comuns, e no qual todos navegavam para comerciar os produtos da agricultura, na qual eram mestres, formados nas saudosas escarpas ucranianas.
O vinho
Um dos ilustres descendentes dos Tratsk, dando continuidade à suas origens, dedicou-se à produção de vinhos de altura, além de ter se transformado num industrial da área de estruturas metálicas.
Foi também conquistado pela cultura local, tendo liderado festas populares pagãs, que todos os anos, entre os meses de fevereiro e março, dominavam as ruas das cidades, com brancos se fantasiando de pretos, com pretos se fantasiando de índios, com índios dançando com europeus, com europeus dançando com brancos, pretos e índios, ou seja, uma miscigenação ampla, completa, irrestrita, bem característica da integração étnica
que imperava no Brasil.
Imperava é uma maneira de dizer, pois desde que o marechal Fonseca acertou a frase inteira, o Brasil vivia numa república, com boa carga de dúvidas existenciais...
Numa das festas populares, que o industrial Tratsk comandava, recebeu um visitante argentino, que também era grande produtor de vinhos, na vizinha província de Mendoza, e que trazia com ele o cargo de Cônsul honorário daquele país junto a Herval do oeste e Joaçaba, cidades que visitava frequentemente, para saborear bons vinhos, concorrentes aos seus, e assistir as belas demonstrações de música, folclore e cultura.
Em visita à residência de Tratsk, ficou encantado com a qualidade do vinho oferecido e, entre interesses de sabor e de mercado, tentou obter mais informações sobre aquele líquido, "divino, rico e hermoso", como o chamou, pois desejava saber quem era seu potencial concorrente.
Ao saber que Tratsk era o autor daquela façanha, o teatral e exagerado cônsul se ajoelhou, beijou a mão de seu hospedeiro, e proclamou: "esse vinho, um manjar dos deuses, traz consigo uma história, uma tradição, uma lenda, que não podem ser esquecidas", ou "olvidadas" como teria pronunciado.
E prometeu solenemente, jurando sobre uma pequena bandeira azul e branca, que portava junto de uma bíblia de bolso, que não descansaria enquanto Tratsk não fosse devidamente reconhecido como um novo hispânico em terras brasileiras.
Meses se passaram e novamente Tratsk é avisado da volta do Cônsul a Herval do Oeste, quando ele gostaria de ser recebido pelo prefeito da cidade, e por todas as autoridades, pois na sua condição de representante diplomático promoveria uma sessão solene entre Espanha, Argentina e Brasil.
A data foi marcada pelo serviço consular argentino e espanhol, vária autoridades anunciaram suam presença, e o único pedido feito a Tratsk era que reservasse muitas garrafas de seu vinho, para a anunciada solenidade, que ele nem desconfiava no que resultaria
O mês escolhido foi outubro de 1988, e o dia o de número 20, pois na cabala particular do cônsul argentino/ibérico, era uma data em que divindades se manifestavam pela saúde, pela felicidade, e pela alegria dos humanos em viver.
E assim, nessa expectativa, chega o dia 20 de outubro de 1988.
Desde o dia anterior caravanas de pessoas falando espanhol, ostentando ricas jóias em ouro e brilhantes, roupas em seda da Índia e da China, em carros caríssimos, foram ocupando os hotéis disponíveis, mas eram tantos, que as duas cidades hospedaram aquela pessoas "tão chiques" como se comentava nas esquinas, nos teatros, nos cinemas, em todos os "points" sociais.
O alvoroço era imenso, ninguém sabia o que estava acontecendo, ou por acontecer, mas já havia corrido, a boca pequena, que Tratsk tinha a ver com aquela grande e misteriosa situação.
Na cidade ocorriam competições chamadas na mídia internacional de "Open Games", uma realização que Santa Catarina formara tradição depois de muitos anos de disputas entre todas as cidades.
Portanto, além do cônsul e toda a enorme lista de seus convidados, cruzavam a cidade delegações de várias regiões, com muitas jovens em trajes esportivos, com muitos atletas exercitando-se nos estádios, e uma algazarra festiva como clima de fundo.
Às oito horas da manhã, já avisado na véspera, Tratsk e esposa, devida e solenemente vestidos, aguardavam o cônsul, sem nem imaginar no que embarcariam, só sabiam que era uma festa programada.
Tratsk em sua habitual alegria, já imaginava como uma das hipóteses, que teria sido escolhido como o novo rei momo da cidade.
Apesar de não ostentar físico para isso, receberia a honraria com alegria inusitada, pois gostava da festa e era um animado figurante.
Batidas à porta da casa e ela é aberta por Tratsk, que quase sentou de novo, impactado pelo que viu lá fora.
Uma caravana, uma imensa comitiva comandada pelo prefeito da cidade, seguido por todos os vereadores, com faixas com seu nome, algumas delas em espanhol que não entendia bem, e uma figura em um carro conversível, sem a capota, que o chamava para embarcar.
Era o cônsul, que num lindo "coche" anos 50, em estado de novo, já colocava o prefeito no banco dianteiro e deixava o traseiro para que Tratsk e a esposa se alojassem.
Ao pisar fora de casa a multidão explodiu em aplausos, urros, gritos, saudações, que ele mal conseguiu entender algumas: "rico vino", "manos de oro", " mensajero de diós", e muitas outras de pessoas que tinham se agregado ao grupo e saudavam Tratsk à sua maneira, pensando tratar-se de outra situação: "nosso futuro prefeito", "Tratsk para presidente", "grande líder de nossa escola de samba", e assim por diante.
Foram levados em triunfo, com o delírio da massa, que já ensaiava músicas e ritmos carnavalescos ao longo do percurso, e surgiram algumas pequenas rixas, pois já queriam alguns que Tratsk fosse aclamado como Presidente e vários times de futebol, e até o Vasco e o Flamengo foram citados.
O carro parou em frente à Câmara Municipal, um tapete vermelho foi estendido desde o "lindo coche" anos 50, até a soleira do portal do legislativo municipal, sendo Tratsk e esposa escoltados por um sorridente cônsul, de um lado, e de outro de um orgulhoso prefeito.
A entrar na "casa do povo", as galerias lotadas aplaudiram, gritaram, saudaram, e jogaram muitas flores sobre o casal.
A um movimento de mãos do cônsul, uma orquestra e um coral, em trajes de gala, iniciaram o hino ucraniano, o brasileiro, seguidos de músicas típicas da Ucrânia, levando Tratsk a uma emoção imensa, com algumas lágrimas de nostalgia, e de alegria, descendo por seu rosto.
Foram minutos de sonho, de relembranças, quando imagens dos relatos de seus amados pais surgiram em sua mente e ele relembrou as paisagens, as encostas, o mar de Azov, e toda aquela bela história, que povoara sua memória infantil, pois para lá tinha viajado para conhecer e visitar as terras de sua origem.
Os aplausos o trouxeram e volta e ele reconheceu onde estava e a ansiedade de saber o que ocorreria voltou.
O prefeito e o cônsul, já devidamente postados em uma mesa solene, coberta por luxuosa toalha de renda branca, juntamente com mais uma série de autoridades civis, militares, eclesiásticas, completavam as cadeiras.
Ele e a esposa, em pé, aguardavam a orientação de onde deveriam sentar.
Mas não foi essa a ordem recebida.
O prefeito, com voz tonitruante, declarou: "Está aberta a sessão especial entre o poder executivo, o poder legislativo, o ministério das relações exteriores e a representação argentina. Por deliberação de todos estes níveis aqui presentes, e por votação unânime de seus membros, estamos aqui reunidos, cidadãos e autoridades binacionais, para honrar e
homenagear um ilustre cidadão, que além de se integrar exemplarmente à vida de nossa cidade, ainda nos brindou com um secular segredo trazido da pátria de origem de sua família, tornando-se produtor do especial vinho de altitudes, o mesmo que fazia parte da história da aldeia de Yusof, na Ucrânia, às margens do mar de Azov.
Após a proclamação do prefeito, o cônsul levantou-se, coberto por uma capa de veludo azul marinho, com petit-pois brancos, com gola elevada, igual às usadas nas cerimônias da corte espanhola.
Declarou ele que a Espanha, irmanada com Argentina e Brasil, tinha outorgado a Carlos Tratsk, emérito produtor de vinho, mantenedor da tradição de vinhos de altitude, um título especial e que, a partir daquela data, passaria a ser tratado como:
DOM CARLO DE GRISALLIE, uma homenagem, dos três países, e a nomenclatura Grisallie, advinda do castelo francês, onde a espécie de uva utilizada por Tratsk era cultivada e mantida em produção, há centenas de anos.
Dom Carlo de Grisallie, a partir daquele momento passou a ser reconhecido pela imagem recebida em uma placa em ouro, onde se liam as seguintes inscrições: "A partir desta data, de 20 de outubro de 1988, Carlos Tratsk, ilustre descendente dos dignos produtores ucranianos de vinhos de altitude, passa ser nominado, oficialmente, como Dom Carlo de Grisallie, fazendo jus a este emblema nobiliárquico e ao anel especialmente desenhado para seu uso, em ouro 18k e com pedra rubi em sua parte alta."
E assim nasceu a marca Dom Carlo de Grisaille, que em janeiro de 2015 reunirá alguns súditos e amigos, em Jurerê, com a sua simpática família, para declarar que a marca está pronta para percorrer mais um século de história, agora o XXI, para levar alegria, boas energias, e muitas disposição para seus apreciadores.
E Dom Carlo de Grisallie não para de lembrar a histórica cura contada por seus ancestrais, do dolorido e adoentado viajante, que depois de superar dores e sofrimentos, ainda encontrou muita força. amor, e energia para viver uma bela história de amor, tudo regado e abençoado pela matriarca Tratsk, com suas mãos de cigana milagrosa e sua
alma bondosa, que deixou como legado para Dom Carlo.
E assim foram todos felizes, comendo perdizes...