Na farmácia, no início da manhã, uma jovem mãe pede à balconista a indicação de "algo que corte o leite, pois tenho que recomeçar meu trabalho e não poderei mais amamentar".
Apesar de irregular e perigoso, o pedido de sugestões medicamentosas é uma prática aceita e que se repete milhares de vezes.
Mas a frase da mãe foi dita com uma ansiedade tão grande, que chamava a atenção para aquela moça, quase uma menina.
Pequena, magrinha, cabelo preso à nuca, olhar preocupado, gestos de mãos demonstrando a sua expectativa imediata de sustar um ciclo natural para poder se adaptar ao processo do trabalho, para garantir o sustento de sua família.
As novas famílias determinadas pela urbanização acelerada e pela demanda de bens e serviços mostra outra face daquele momento vivido na farmácia.
Nosso sistema produtivo, e legal, no tocante às possibilidades de desenvolvimento humano das crianças, já atribui aos pais um papel puramente burocrático. Eles têm direito a alguns poucos dias para registrar filhos, e, eventualmente, oferecer um pouco de apoio à esposa.
A lei reserva, por motivos óbvios, à mãe um período bem maior de tempo para poder ficar com o recém nascido.
As crianças passaram a ter a possibilidade de convívio com suas mães balizada pelas limitações impostas pelas jornadas de trabalho.
Apesar das janelas previstas em leis, mesmo com espaços e horários garantidos, é possivel elaborar um quadro de como essas limitações impostas a aconchego e afagos poderá refletir no novo perfil de pessoas, e de premissas de vida e convívio.
Pelo que se lê, a aprende sobre o tema, é sabida a importância que a proximidade da mãe, pelo menos nessa fase mais inicial da vida, assume para a formação ampla dos seres humanos.
A criança, enquanto mama, além de estar recebendo nutrientes únicos, escuta o coração materno, recebe a sua temperatura, se acalma com essa proximidade, regula seu metabolismo, desenvolve defesas e vacinas naturais para toda a sua existência.
A construção da resiliência inicia nessa fase, com a generosidade da mãe ao alimentá-la, e cuidá-la, e com a solidariedade materna em apoiá-la, vestí-la, protegê-la, e alimentá-la.
Generosidade e solidaridedade, duas palavras que podem simbolizar crenças e comportamentos futuros, que venham a ser diferenciais humanistas na sociedade adulta que terão as crianças assim desenvolvidas.
Via de regra as crianças, em torno dos cinco ou seis meses, para casais em que ambos possuem atividade laboral fora de suas casas, passa a ser formada, educada, acompanhada por paresntes, em alguns casos, e de forma predominante, por pessoas estranhas, em creches, escolinhas, ou cuidados em casas particulares.
Os vínculos, na maior parte, passam a ser funcionais, práticos, profissionais, impessoais.
As famílias se separam no início dos dias e voltam a se rever, e rencontrar, ao final das jornadas de trabalho, em torno de dez a doze horas depois.
A preocupação daquela jovem mãe, ouvida no balcão de uma farmácia, além de mostrar o pernicioso hábito da adição medicamentosa empírica, nos remete ao caldo social que estamos construindo com a hipervalorização da função trabalho/manutenção econômica.
Além de termos reduzido as taxas de natalidade estamos reduzindo o tempo que as mães teriam para poder cuidar da formação das gerações futuras.
Pode ser muito racional, contemporâneo, prático e indolor.
Mas "cortar o leite" olhando toda a cadeia que se interrompe com esse gesto, pode impactar o corte de convívio, do afeto, do carinho, que seres humanos recebem de forma essencial de suas mães.
Que outros cortes poderão acarretar essas mudanças determinadas pelas razões pragmáticas em nossa sociedade?
Em algumas nações soluções foram desenvolvidas para estimular a permanência de, pelo menos um do casal, para que as crianças não se desenvolvam totalmente distantes dos pais.
Não seria o momento adequado para pensar nesse aspecto?
Quais mecanismos legais, formais, com resultados comportamentais imediatos poderiam ser implementados em nosso país para que as famílias pudessem participar bem mais dessa fundamental etapa na formação das pessoas que, um dia, estarão, também, formando novas pessoas?
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