A Espanha está em ebulição.
Às vésperas de eleições regionais, grandes manifestações sacodem o país.
Poder-se-ia pensar que reclamam por democracia, como seus vizinhos ao sul do Mediterrâneo.
Mas, não. Reclamam trabalho para os jovens, com o alarmante índice de 40% de desemprego para essa faixa etária, e , principalmente, mais participação, espaços na sociedade.
E se intitulam indignados.
Os ventos do norte da África, que já derrubaram Mubarak, no Egito, parece que ressuscitaram o ano de 68 nas terras de Dom Quixote.
É interessante notar que um vizinho relativamente próximo, a Grécia, continua sendo sacudida pela inconformidade da população com os ajustes econômico-financeiros que o país atravessa, para se adaptar à receita do FMI, que também vive sacudidelas e disputas de poder, tendo em vista a recente renúncia de seu dirigente maior,Strauss-Kahn, por prisão e processo em Nova York.
Mas a Europa toda começa a se inquietar.
Irlanda, Portugal, Itália são mais alguns dos membros da União Européia, que estão na ante-sala para receber o amargo xarope das receitas ortodoxas do Fundo para colocar suas economias em dia.
A consolidação da UE, por inépcia de seus líderes, esqueceu um aspecto fundamental para as economias nacionais.
Ao criar um único Banco Central Europeu, uma moeda o Euro, deixaram de lado importante aspecto cultural e financeiro.
A moeda é um símbolo muito forte de cultura, nacionalidade e soberania.
Apesar da Europa ter conseguido se unificar com o milagre de manter as soberanias de seus estados membros, a questão do Euro precisava de um tempo maior para que todas as nações pudessem assimilar a novo nome e signo monetário.
Antes, cada país controlava, defendia e parametrizava sua moeda nacional.
Com a criação do banco único, faltaram braços para alcançar toda a dimensão continental e controlar as moedas, e gastos públicos, de 25 parceiros e sócios.
Como muito dinheiro foi injetado em economias claudicantes para permitir a unificação com um padrão mais igualitário, muitos governos se deixaram levar pelo êxtase passageiro de ter muito dinheiro em caixa.
Só que era dinheiro para aplicar em investimentos, e não para gastos públicos.
As questões financeiras, na verdade, desnudam uma situação quase global de insatisfação e necessidade de mudança.
O mundo político está envelhecido e superado, em todo o mundo. O modelo está desgastado e, mesmo em nações tidas como tradicionalmente democráticas, as esferas de poder, tanto na política como na economia, estão nas mãos de poucos.
O mundo se comunica instantaneamente, todos ficam sabendo de tudo, se conhece a realidade de pessoas e sociedades em poucos minutos, com riqueza de imagens, sons, opiniões e deliberações, mas nada se pode fazer com esses insumos, para melhorias imediatas de vida.
Assim, cria-se o entusiasmo mudancista por um lado, a solidariedade mundial pelo outro, mas no núcleo, no centro da questão, permanece a imutabilidade de um poder consolidado e pouco afeito a alterações reais.
Ainda mais que as manifestações de massa têm se dado em cima das redes sociais, mídias eletrônicas, e comunicações telefônicas, todos meios que são propriedades de poucos grupos econômicos, os quais vivem justamente do consumo de impulsos, minutos e velocidades dos produtos e de seu uso pelas pessoas.
O negócio explorado por esses meios cria expectativas de liberdade, e libertação, suas propagandas emocionam pela informalidade e alternatividade, mas somente para conquistar usuários, e não para fomentar revoluções, nem revolucionários fidedignos.
E ai é que descortina nos “indignados de España” um fator novo, um elemento inquietante, uma chama legítima, que pode se alastrar pelo mundo, como foram as manifestações de maio de 68 na França, que se espalharam pela Europa, pela América do Norte e pela América do Sul, mesmo estando esta amordaçada pelas ditaduras financiadas e apoiadas pelos EUA.
Existem fases de sintonia, de desenvolvimento humano e espiritual, que nada material está em jogo ou interessa.
É como se a massa de habitantes deste pequeno globo absorvesse a angústia de entender que não passamos de minúsculas formiguinhas inteligentes, mantidas por um núcleo magnético de um dos tantos milhares ou milhões planetas soltos e perdidos em algo incompreensível para nossas limitadas cabeças, como o é o universo.
E de que nada adianta brigarmos, guerrearmos, destruirmos o meio ambiente, tudo em nome de um modelo de desenvolvimento, que perpetua inquietude e desgosto.
Não só pelos poderes que impõem o modelo superado, mas pela natureza humana, que alimentada pelo consumismo e voracidade, não mais se satisfaz com qualquer volume de bens, pois a ansiedade empurra para mais ter, e nada tampa o buraco das almas insatisfeitas.
Por isso os “indignados de España” chamam a atenção. Eles não querem poder, eles não querem mais democracia do que já têm, eles só querem ter o direito de participar do destino de suas vidas, de uma sociedade que está senil e não consegue oferecer novas respostas para os mais jovens, que não querem ficar velhos, iguais aos que comandam as suas vidas.
No nível material os governantes sabem oferecer respostas e soluções, mesmo que a nada respondam. Mas no nível das aspirações, nada conseguem entender, ou fazer, pois se transformaram nos reis Midas da atualidade, fazendo “ouro” a tudo que tocam.
E não se quer, nem se precisa de mais ouro.
Necessita-se de mais tempo, de mais solidariedade, de mais convívio, de mais carinho, de mais humanismo, do que esse modelo que está morrendo é capaz de oferecer.
E as sacudidas por que o mundo passa, nada mais são do que pedidos de socorro dos que percebem que existe espaço para um novo convívio, para uma nova relação, para um outro patamar de sentimentos, que permita aos seres maior dignidade em sociedade, mais participação na construção do futuro, e a possibilidade de se experimentar uma nova época, uma outra era de legítimo amor.
E os “indignados de España” estão dizendo isso.
Não basta democracia, não basta riqueza material, querem também poder cantar a vida, poder amar o outro e poder viver intensamente, esta existência que é um mistério para todos, mas que ninguém quer deixá-la passar em vão.
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