Este texto é da amiga Marisa Naspolini e o publico neste blog pela importância dele em nossa atualidade.
Juarez é aqui
Juarez é uma cidade situada no estado mexicano de Chihuahua, na fronteira com os Estados Unidos, que tem frequentado os noticiários mundiais nas duas últimas décadas por conta do feminicídio atroz praticado contra suas cidadãs. Mais de 500 mulheres e meninas já foram barbaramente abusadas, mutiladas e assassinadas, sem que qualquer atitude concreta tenha sido tomada pelas autoridades mexicanas para evitar a perpetuação da matança.
Há todo tipo de teoria para “explicar” a barbárie: tráfico de órgãos, comércio sexual, disputa entre cartéis de narcotráfico, corrupção policial, snuff movie, entre outros, mas até hoje nenhuma investigação foi levada a cabo para elucidar quem (e por que) está por trás dos rituais macabros.
A diretora teatral galesa Jill Greenhalgh criou uma performance tratando deste tema. O espetáculo, feito apenas por mulheres, já foi realizado em vários países (Colômbia, Peru, Espanha, Argentina, País de Gales) como fruto de uma oficina ministrada por ela. O resultado é particularmente poético. De forma inteligente, e estratégica, Jill se apropria dos opostos para chegar onde deseja. De acordo com suas próprias palavras, “para evocar o horror, preciso encontrar algo extraordinariamente belo, para trabalhar com a morte, preciso levar em conta a ressurreição, para provocar medo, preciso criar um lugar seguro”.
A performance, intitulada The Acts (Os Atos, numa referência direta à necessidade de agir em relação a esse estado particular de coisas), é feita de presença e silêncio, de imagens fortes que emudecem o espectador em sua (im)potência. O resultado é denso, tocante, mexe na ferida com luvas de pelica.
O caso do México é emblemático pela quantidade de vítimas na mesma cidade e pela violência extrema dos atos praticados contra elas. Mas o panorama brasileiro é igualmente aterrador. E a Santa e Bela Catarina – referência nacional na qualidade de vida (!!!) - parece ocupar lugar de destaque nessa competição insana. Há duas semanas, em Florianópolis, o sergipano Claverson tentou asfixiar a namorada Maria de Fátima dentro do elevador, segundo ele porque ela havia terminado um namoro de oito meses.
Como as imagens ganharam o noticiário nacional, números impressionantes vieram à tona. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, em 2011 já foram 2.587 casos de violência contra a mulher em Santa Catarina, a grande maioria cometida pelo “companheiro”. Em SC, uma mulher é vítima de violência doméstica a cada 46 minutos. Dá pra imaginar?
Alguns dias depois uma mulher foi seqüestrada na Palhoça a caminho da escola do filho. Como não conseguiram retirar o dinheiro pretendido do caixa eletrônico, os bandidos decidiram estuprá-la, meio assim, pra não perder a viagem. A vítima salvou-se graças a um motivo torpe: ao perceber que ela tinha pontos de uma cirurgia feita recentemente no abdômen, acharam nojento tocar “naquilo”.
A atriz e dramaturga italiana Franca Rame escreveu uma coleção de monólogos para mulheres. Um dos mais conhecidos é O Estupro, que recebeu montagem antológica no Brasil, nos anos 1980, por Marília Pera. O texto faz uma descrição física e psicológica detalhada da tortura do ponto de vista da mulher e termina com a vítima recém-estuprada em frente à delegacia, machucada, exaurida, pensando se entra ou não para dar queixa. Ela imagina os olhares cínicos sobre ela, as piadas contadas pelos policiais de plantão e desiste. Amanhã, quem sabe...
Marisa Naspolini
Florianópolis, 2 de abril de 2011
Marisa Naspolini - no Diário Catarinense-DC
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