quarta-feira, 12 de março de 2008

A Responsabilidade Ética na Propaganda&Marketing

Palestra proferida em 10.03.2008, no Clube de Propaganda e Marketing de SC no Auditório da Sociesc-Florianópolis

-Ética
Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto.

-Ética (aspectos filosóficos)
Parte da filosofia que tem como objeto o dever ser no domínio da ação humana. A psicologia e a sociologia estudam o que o ser humano é. O que deveria ser, o que deve fazer é o campo da ética. Estuda as normas de conduta e as regras estabelecidas pelo ser humano em sociedade, no coletivo. O núcleo da ética está nas noções de bem, virtude, felicidade, justiça.Para Aristóteles(383-322 ac), Spinoza(1632-1677 ) e Leibniz(1646-1716) o bem é obrigatório por sua própria essência. Para Weber(1864-19200) “há algo no estilo de vida daqueles que professam o protestantismo que favorece o espírito do capitalismo”. A ética protestante valorizaria a riqueza e o progresso material, como uma retribuição da graça divina. A ética católica daria ênfase a um convívio “bom” enquanto prometeria uma outra vida para os puros. Essa comparação estabeleceria um diferencial: o protestantismo geraria mais empreendedorismo.

-Comentário: o ser humano não é ético por natureza. O ser humano é um ser consumidor de recursos, predador do meio ambiente, individualista e egocêntrico. Ele desenvolve e constrói pactos éticos por reconhecer que a evolução e o desenvolvimento necessitam de instrumentos que coloquem limites na ação humana, no nível coletivo. Como o ser humano é provido de subjetividade, com identidade individual, ele implanta e se submete a códigos de ética por entender que sem eles a sociedade seria condenada à lei do mais forte. Seu próprio potencial destrutivo faz com que se estabeleça limites em suas possibilidades negativas.

Propaganda e Marketing

Propaganda(do latim propagare)
Propagação de idéias, princípios, conhecimentos ou teorias. Arte e técnica de planejar, conceber, criar, executar e veicular mensagens de propaganda. Difusão de mensagens de caráter informativo e persuasivo por parte de anunciante identificado, mediante compra de espaço em tv, jornal, revista ou qualquer meio de mídia.

Marketing
Conjunto de estratégias e ações que provêem o desenvolvimento, o lançamento, e a sustentação de um produto ou serviço no mercado consumidor.

Publicidade
Tornar público, levar ao público, fatos, matérias jornalísticas, material de propaganda, notícias, por meio de veículo de mídia, e que sejam de interesse de pessoas, empresas, organizações públicas e privadas.

-Comentário: o século XX pode ser considerado o século da propaganda. Esse instrumento de propagação de idéias, conhecimentos, teorias e condicionamentos, foi muito usado para divulgar características de produtos e serviços para orientar consumidores sobre necessidades básicas, mas também para despertar desejos e vontades para o consumo de supérfluos.
A propaganda foi muito utilizada pelo poder, em diversos países, em várias épocas, para divulgar imagens de regimes e governos, de interesses estratégicos, de mentiras e manipulações. Como alguns exemplos podemos lembrar de Goebbels o ministro de propaganda nazista de Hitler, que dizia e usava na pratica o conceito de que "repetir muitas vezes uma mentira a transformaria numa verdade". Na ditadura de Getúlio Vargas, durante o “Estado Novo”, o DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda promovia o governo ditatorial e censurava a imprensa brasileira. Nos anos do Macartismo nos EUA, entre 54 e 57, quem se enquadrasse como oposição aos ditames do poder americano, era logo enquadrado como comunista ou simpatizante. Esse processo levou o estigma a vários artistas, escritores, jornalistas, que não resistiram à pressão e tiveram que se retirar para outros países, foram levados à miséria e à loucura, por falta de trabalho, e muitos se suicidaram.
Durante o regime militar de 64/85, a propaganda do “milagre econômico”, do país do futuro, do “ame-o ou deixe-o”, dos “noventa milhões em ação”, foi intensa e ocupava todos os meios de comunicação, os quais eram norteados e balizados por uma censura prévia, presente e ostensiva. Nos EUA a propaganda do medo e a ética da mentira foram utilizadas em larga escala nas recentes operações de guerra no Afeganistão e no Iraque, quando a “a ameaça” de uso de armas químicas e de destruição em massa foram levantadas como situações verdadeiras e ameaçadoras.


No Brasil, no final dos anos 70, pairava a ameaça de uma lei que se constituiria em uma censura prévia sobre a atividade publicitária.
O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária nasceu em 1978 como uma resposta de anunciantes, veículos, agências e consumidores para resguardar a liberdade de pensamento e criação.
O Conar –Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária é uma realidade forte e atuante, desde sua criação, e já julgou milhares de processos em todo o Brasil.
Os preceitos básicos que definem a ética publicitária são:
-todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país
-deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais
-deve ter presente a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor
-deve respeitar o princípio da leal concorrência
-deve respeitar a atividade publicitária e não desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta

A evolução humana, urbanização e pactos coletivos
-Da dispersão para a concentração-

As primeiras cidades que a história registra localizavam-se no Oriente, principalmente na Mesopotâmia, atual Iraque.
Um dos centros urbanos mais antigos foi UR, na Suméria, que se constituiu em cerca de 3.500 ac. As cidades proliferaram na Antiguidade, na região da Ásia Menor e Oriente Médio como centros religiosos, administrativos, comerciais, de transportes ou manufaturas. Várias dessas cidades alcançaram mais de 20.000 habitantes. Roma foi a maior cidade da Antiguidade com 800.000 habitantes. Na Europa a vida urbana decaiu na Idade Média. No Renascimento as cidades refloresceram na Europa como centros de comércio e cultura, mas as maiores da atualidade são fruto da Revolução Industrial.
O ser humano, ao longo da história, após a fase da caça e da organização e exploração da agricultura, principalmente depois do desenvolvimento da energia elétrica, da máquina a vapor e da revolução industrial, saiu de uma realidade dispersa para a concentração urbana.
Vários foram os motivos dessa mudança e muitas as conseqüências.Enquanto as questões coletivas e de conduta humana eram tratadas, via de regra, dentro dos limites das propriedades rurais/feudos, pelos proprietários ou senhores feudais, o aparecimento de grandes concentrações e aglomerados urbanos trouxe a necessidade de novas formas de ordenação da conduta humana.
As relações de convívio e trabalho, a excessiva proximidade habitacional, o regramento da ocupação dos espaços requereram novas formas de controle e ordenamento das atividades humanas e das organizações.
A vida urbana tira as pessoas de uma visão de processo, semeadura-crescimento-colheita, para as linhas de produção, onde o trabalho é esquartejado e as tarefas recebidas pelos trabalhadores pulverizam a compreensão do todo.
Com o Renascimento, a formação do mercado mundial, a passagem do feudalismo ao nascente capitalismo, os descobrimentos marítimos, o quadro social foi marcado pela ascensão da burguesia que passou a chocar-se com a nobreza feudal.
Com a influência do iluminismo, da Revolução Francesa, as teses de Montesquieu e Rousseau a humanidade avança para um conceito de Estado baseado no equilíbrio das dimensões de poder.
O Governo é o nível temporário do Estado. Ele muda periodicamente, enquanto o Estado é composto pelas instituições permanentes. Ao Governo cabe a gestão dos serviços prestados à população.
O Estado é, de certa forma, um pacto ético dos mais importantes para a ordenação da conduta humana. Suas funções normatizadoras e regradoras da vida dos cidadãos é que permitem a formação civilizatória e a garantia de direitos e obrigações. Os pactos coletivos procuram criar objetividades, para minimizar a subjetividade humana.
A concentração humana nas cidades, para dar resposta à demanda de mão-de-obra para as indústrias, gerou grande necessidade de respostas em escala.
Abastecimento de água, de energia (gás e eletricidade), de alimentos, de serviços de saúde, de educação, transporte, de saneamento básico etc.
A questão da ordem pública, da disciplina, do respeito aos direitos individuais e coletivos, as instâncias de justiça e mediação dos conflitos, pressionou para que as estruturas de gestão coletiva se aprimorassem em função das novas realidades que a revolução industrial e o processo de urbanização trouxeram.

Vida urbana, escala e consumo

Hoje o planeta Terra vive uma realidade de elevada concentração populacional nas cidades. Para oferecer respostas ao consumo de quase 5 bilhões de seres humanos concentrados nos aglomerados urbanos o planeta sofreu significativas agressões em sua estrutura natural e começa a apresentar os sintomas de desequilíbrio.
As cidades cresceram acima de suas possibilidades de administração racional e previdente, a infraestrutura não consegue oferecer soluções adequadas, tanto pela elevadíssima demanda de serviços públicos, quanto imponderável massa humana que se acumula e que precisa de trabalho, comida, escola e saúde, transporte e saneamento básico.
Os impressionantes números que as necessidades básicas, e diárias, das populações apresentam, servem como exemplo da magnitude dos problemas e da necessidade premente de mudanças radicais.
Uma cidade como São Paulo, com 12 milhões de habitantes e seis milhões de veículos tem demandas gigantescas.
Alguns dados para refletir:
Diariamente, são milhões de assentos em transportes, públicos ou privados,12 milhões de quilos de alimentos prontos, sem casca ou embalagem, 360 milhões de litros de água para banho e hidratação, 240 milhões de litros de água para descarga sanitária, 30.000 km de ruas para que os 6 milhões de veículos trafeguem, sem contar a necessária distância entre eles, redes de coleta e tratamento de esgotos, rede de drenagem pluvial para escoar as águas das chuvas, energia elétrica para mover milhares de elevadores, metrô, iluminação pública, milhões de aparelhos eletrodomésticos, máquinas e motores de empresas, centros cirúrgicos e salas de hospitais, semáforos, postos de combustíveis, radares e equipamentos de emergência para manter os dois maiores aeroportos do país, milhares de ônibus para transporte intra e inter-municipal, farmácias e postos de saúde, escolas para centenas de milhares de alunos, sem contar os milhares de turistas e visitantes nacionais e estrangeiros, que circulam...
Essa fotografia parcial da complexidade de uma cidade como SP, nos remete para outros problemas decorrentes dessa grandeza.
Os níveis de poluição do ar, aquecimento atmosférico, a poluição de córregos e rios, a velocidade cada vez menor do tráfego urbano, gerando níveis de poluição crescente.
A grande concentração humana e as expectativas que as cidades geram em centro menores e nas áreas rurais, alimentam o êxodo da ilusão e do sonho de uma vida melhor e continuam atraindo migrantes, que abandonam uma vida modesta, mas muitas vezes digna, para sofrerem a exclusão social e geográfica, sendo condenados a se marginalizar nas periferias empobrecidas dos centros urbanos.
O lixo pós-consumo e pós-industrial é acumulado nos lixões ou aterros sanitários, gerando as montanhas de material poluente e não tratado, apenas escondido dos olhos das classes mais privilegiadas.
Embalagens compõem 30% do lixo gerado no Brasil.
Esse superficial diagnóstico de uma cidade brasileira, nos mostra a premente necessidade de que se re-estude e se re-avalie o modelo de produção e consumo, podendo-se estender a avaliação para todas as áreas urbanas
E o mundo chegou ao seu primeiro bilhão de automóveis!!!

Propaganda: motivação e consciência
-uma nova opção de vida é possível-

O industrialismo atual é extrativista e intensivo. O consumismo desenfreado, que tenta cobrir os buracos da alma humana, gera mais fragilidade emocional pela frustração do não poder consumir, injustiça social e exclusão humana. O lixo não tratado, os efluentes despejados nos cursos d’água e nos mares, as toneladas diárias de gases tóxicos e tantos outros desastres disparados pelos 6 bilhões de seres que habitam nosso globo, verdadeiros gafanhotos predadores e destruidores, jogam aos nossos olhos uma realidade que chegou ao limite e nos impõe mudanças.
O buraco ambiental é real, as queimadas de nossos recursos e reservas verdes são contadas em milhares de campos de futebol diários.
E assim, o ser humano chega, pela primeira vez na história da humanidade, a se defrontar com o perigo real e imediato de extinção da raça humana, gerada por ele mesmo.
O século XX foi o século das duas grandes guerras, de muitas outras guerras que não foram tão grandes, mas se tornaram permanentes, os melhores negócios do mundo são compostos pela transgressão às leis: o tráfico de drogas, de pessoas e de órgãos, juntamente com o de armas afrontam as polícias do mundo, atravessam fronteiras, invadem países e corrompem autoridades, destruindo pessoas e sociedades.
Grandes somas de capitais especulativos correm o planeta, a automação cancela empregos, muitos países, mesmo entre os mais ricos, já temem a redução de consumidores e pagadores de impostos e mantenedores de sistemas de previdência e de saúde.
O século passado foi marcado fortemente, por duas linhas ideológicas, que tentaram uma simplificação da compreensão de sistemas políticos, de governo e de regimes econômicos. O terceiro milênio iniciou sobre as cinzas, literais, do mundo que queima e do século que terminou. Capitalismo e socialismo, na forma que nos eram apresentados, não ofereceram respostas à necessária evolução e avanço da qualidade de vida na cidade Terra.
A atividade de propaganda, que ajudou a consumir e consumir, premida entre as duas correntes, concorrenciais e antagônicas, pode ter uma participação essencial neste século XXI.
Ela pode continuar atendendo as necessidades de lucro, estimulando o consumo consciente de produtos e serviços, ela deve continuar com a sua cruzada por uma propaganda ética e honesta através do CONAR, deve continuar merecendo a confiança das pessoas e das empresas.
Mas a área de propaganda tem uma missão que, por sua criatividade, senso de oportunidade e sensibilidade situacional pode ajudar a construir: o início da mudança, o avanço necessário, a melhoria que a sociedade clama, necessita, mas talvez não saiba expressar.
Usando suas capacidades, sua rede global, a tecnologia das quatro telas, pode penetrar o mundo, invadir as mentes, inundar os corações, perturbar a alienação, sacudir as almas e injetar uma nova CONSCIÊNCIA.
A nova CONSCIÊNCIA que motive novas discussões sobre modelos de cidades, padrões de vida, escalas de produção e consumo.
A nova consciência que valorize a solidariedade humana, o amor pela natureza, a dignidade do outro e o respeito por si mesmo.

E aqui fica lançado um desafio:
-que a área de propaganda e marketing planeje o relançamento de um produto que é essencial para todos os consumidores:

-Um produto que tem demanda garantida de 6 bilhões de consumidores em toda a face da terra.
-Um produto com grande valor agregado e com muita inteligência aplicada.
-Um produto que é considerado nobre em todo o mercado mundial
-É único e não tem concorrência
-Um produto que tem muito valor, mas não tem preço.



Esse "produto" é a vida e para a sua preservação precisa de uma nova embalagem ambiental.




Danilo Cunha
Florianópolis, em 10 de março de 2008.