segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Petróleo, milagre e as crises cíclicas

(texto de 2002)
A primeira vez que se começou a falar em “milagre econômico”, foi nos pós-guerra, em relação ao processo de reconstrução e recuperação econômica da Alemanha. A rápida recuperação daquele país na década de 50, foi intitulada o “milagre alemão”. Nos anos 60, surgiu o termo “milagre japonês”, cujas taxas de crescimento do produto interno bruto surpreenderam o mundo, por sua vitalidade e grande crescimento ao longo de mais de 10 anos. Ambos os países, Japão e Alemanha, sofreram grandes destruições físicas, econômicas e ambientais durante a segunda guerra mundial e anos que a sucederam. O reerguimento econômico, japonês e alemão, foi financiado nos moldes do Plano Marschal. Farto apoio financeiro, aporte de enormes apoios logísticos e facilitação de crédito e financiamento. Esses fatores, aliados à cultura dessas duas nações, caracterizadas por mão-de-obra especializada e capacitada tecnologicamente, propiciaram uma rápida retomada e reconquista de suas posições na economia mundial, destruídas durante a guerra na qual ambas foram derrotadas.
No Brasil, o termo “milagre econômico" foi criado e encampado pela imprensa, a qual era controlada e censurada pelo regime militar, que se implantara desde 1964 no país. Os militares queriam e necessitavam demonstrar sua vitória em questões macroeconômicas e apelaram para uma interpretação exagerada e pontual sobre a evolução econômica brasileira, muito mais resultado de uma ação inercial de governos anteriores do que, propriamente, uma iniciativa do governo militar. O “boom” econômico iniciado em 1968 teve como causa básica a política liberal de crédito que encontrou a economia, após vários anos de recessão, com baixa utilização da capacidade produtiva, taxas altas de desemprego e custo reduzido de mão-de-obra de pouca qualificação. A isso se acrescia uma grande tendência ao consumo das camadas de renda mais elevadas. O crescimento bastante rápido foi a reação natural da economia às condições de contorno acima relatadas. Além disso, a grande facilidade na contratação de empréstimos externos e a necessidade que o Brasil tinha de construir uma infraestrutura de energia, transportes e telecomunicações, criaram o cenário propício ao início de um processo de grande endividamento externo. Aparentemente suave, a dívida externa foi se avolumando, os juros aumentando e o país não conseguia responder com a sua contrapartida interna. Programas discutíveis como o da energia nuclear tiveram imenso peso na formação da dívida externa, sem a adequada rentabilização pelo Brasil. A situação que se mantinha graças ao pesado controle político exercido pelos militares, chegou ao seu primeiro teste de força com a grande crise do petróleo de 1973. O barril de petróleo que então custava 80 centavos de dólar, foi reajustado para 12 dólares. Para não decretar racionamento do uso dos derivados do petróleo em todo o país, o que denunciaria a crise da política econômica desenvolvida pelo governo ditatorial, passou-se a financiar e subsidiar o preço dos combustíveis com recursos públicos, os quais eram retirados de outras prioridade mais produtivas. O modelo começou a fazer água e a inflação que vinha declinando vagarosamente, voltou a crescer com grande ímpeto. Tentou-se esconder o sol com a peneira reprimindo a inflação e escondendo seus reais patamares. Em 1974 a inflação pulou de menos que 20% para 27%. Com as medidas tomadas ocorreu uma forte queda na demanda, que reverteu numa acentuada diminuição das vendas de bens de consumo. A redução do consumo trouxe a diminuição da produção e o processo recessivo se instalou associado ao crescimento das dívidas interna e externa, que financiavam o buraco criado com a falta de produção de riqueza no país. A segunda crise do petróleo que ocorreu em 1979, jogou o preço do barril de 12 dólares para 34 dólares. Em 1978, os EUA já tinham reajustado os juros de 8,75% ao ano para 17%ao ano. ( Hoje estão em 1,75%) Esses dois fatores, petróleo e juros externos, acentuaram os problemas do modelo que já não podia mais ser intitulado de “milagre”. Em 1982, os militares finalmente reconheceram o desastre econômico e o governo de João Figueiredo foi obrigado a recorrer ao FMI para receber apoio para enfrentar a caótica situação da economia brasileira. A partir de 1982, até este ano de 2002, o Brasil foi obrigado a recorrer 13 vezes ao fundo, sendo que estamos acabando de negociar a última operação. Déficit interno, ausência de poupança para financiar investimentos novos, o crescimento econômico mal pagando os juros da dívida, redução no consumo, falta de mercado interno, pouca geração de emprego e riqueza são o conjunto de prioridades que hoje nos defrontamos e que serão as prioridades do próximo governo que assumirá em janeiro de 2003.
Para poder financiar os constantes déficits internos e externos, a crise obrigou os países a reduzir as importações, desvalorizar as suas moedas e a aumentar a carga tributária. As importações ficaram muito caras e provocaram a disparada dos preços dos insumos e da tecnologia procedente do exterior. Já as exportações, apesar de terem sido beneficiadas com a desvalorização, não cresceram conforme o esperado, tendo em vista a formação de blocos econômicos e a conseqüente baixa demanda. O Brasil sente, há 20 anos, as conseqüências da presença do FMI, criado para regular o funcionamento dos negócios e socorrer os países em crise para garantir a continuidade das atividades produtivas. No período relatado, tivemos moratória, recessão, explosão do desemprego e juros exorbitantes. Nossa história econômica mostra que fomos dependentes e continuaremos a sê-lo se permanecermos na atual posição. Tivemos uma evolução, mas que precisa ser reestudada para que priorizemos as nossas reais necessidades como nação. Nossa economia, mesmo participando da rede mundial de trocas, da qual não poderá jamais se excluir, precisa priorizar o atendimento de necessidades emergenciais da sociedade brasileira. Nossos empreendedores e investidores precisam garantir lucratividade
em seus investimentos e aplicações, sem contudo ficar dedicados à ciranda puramente financeira. Essa corrida vertiginosa dos capitais excedentes em busca de novos e maiores lucros está gerando distorções e sérios motivos de preocupação aos gestores do mercado de capitais em todo o mundo. Enquanto o capital aplicado na produção gera empregos, impostos e crescimento na qualidade de vida (IDH), a busca de lucratividade para os capitais financeiros pode atender poucos interesses muito localizados e levar o mundo a ter que repensar, imediatamente, uma nova ordem econômica internacional, diante de uma série de novos fatores que não eram presentes quando o FMI foi criado, tais como a grave crise ambiental, o aquecimento global, o aumento da massa de desempregados pela tecnologia e novos processos, aumento da média de vida com mais encargos para os sistemas de previdência e saúde, dificuldade do primeiro emprego para a massa jovem, grande índice de exclusão social por omissão e falta de investimentos dos governos nacionais, aumento dos espaços econômicos e sociais ocupados pelo crime organizado, enorme dificuldade dos governos das sociedades menos desenvolvidas em investir na modernização e expansão das suas infraestruturas, principalmente nas áreas de educação, saúde, segurança e transporte coletivo (no Brasil 36 milhões detrabalhadores caminham até seus locais de trabalho por não disporem de recursos suficientes para seu sustento e deslocamentos). Isso sem falar na questão da necessária preservação ambiental , para uma futura exploração cuidadosa das riquezas naturais, renováveis ou não.

Epílogo

Janeiro de 2008.
O Brasil não está vinculado ao FMI. O país está anunciado como auto-suficiente em produção de petróleo. O dólar americano despencou para menos de 2 reais. Os Estados Unidos, em função da especulação e excessos nas operações imobiliárias internas, enfrentam séria crise de crédito, com dramáticas repercussões nos balanços de grandes bancos norteamericanos, que iniciam a divulgação de seus elevados prejuízos de 2007. O barril de petróleo está nos estratosféricos 90/100 dólares. A China e a Índia explodem em desenvolvimento acumulando grande absorção de investimentos mundiais. As reservas cambiais da China ajudam a financiar o buraco americano. O Brasil acumula quase 200 bilhões de dólares em reservas. O biocombustível é uma realidade brasileira e começa a ser adicionado aos combustíveis fósseis. O mundo se debate entre a consciência da ameaça de uma crise ambiental sem precedentes e os interesses econômicos focados na exploração intensiva de seus recursos naturais. O lixo pós-industrial não recebe a necessária reciclagem. O lixo pós-consumo invade as cidades e as cerca com os lixões. O Brasil estima uma nova ameaça de apagão por falta de capacidade geracional de energia elétrica e já se fala em reativação de centrais termo-elétricas, alimentadas por combustíveis não renováveis. A Amazônia continua queimando para que novas pastagens e novas áreas de agricultura sejam criadas. A CPMF foi extinta e 40 bilhões de reais vão retornar ao mercado de consumo, por escolha direta dos contribuintes.
Qual será o próximo capítulo ?